Careço
de realidade, temo não interessar a ninguém. Sou um farrapo, um
dependente, um fantasma. Vivo entre temores e desejos; temores e
desejos que me dão vida e que me matam. Já disse que sou um
farrapo.
Jazo
nas sombras, em grandes e incompreensíveis esquecimentos. De repente
me obrigam a sair à luz, uma luz cega que quase me assegura a
realidade. Porém logo se ocupam deles mesmos e me esquecem.
Novamente perco-me na sombra, gesticulando com ademanes cada vez mais
imprecisos, reduzido ao nada, à esterilidade.
A
noite é o meu próprio império. Em vão trata de afastar-me o
esposo, crucificado em seu pesadelo. As vezes satisfaço vagamente,
com agitação e torpeza, o desejo da mulher que se defende sonhando,
encolhida, e que finalmente se entrega, grande e macia como um
travesseiro.
Vivo
uma vida precária, dividida entre estes dois seres que se odeiam e
se amam, que me fazem nascer como um filho deformado. Não obstante,
sou belo e terrível. Destruo a tranquilidade do casal, ou a inflamo
com o mais cálido amor. As vezes me coloco entre os dois, e o abraço
íntimo me faz recobrar, maravilhoso. Ele percebe a minha presença e
se esforça para aniquilar-me, para tomar o meu lugar. Mas
finalmente, derrotado, exausto, vira as costas para a mulher,
devorado pelo rancor. Permaneço junto a ela, palpitante, e a cinjo
com meus braços ausentes que pouco a pouco se dissolvem no sonho.
Deveria
ter começado dizendo que ainda não acabei de nascer, que sou gerado
lentamente, com angústia, em um processo longo e submerso. Eles
maltratam com seu amor, inconscientes, minha existência de nonato.
Trabalham
longamente a minha vida entre seus pensamentos, mãos torpes que se
empenham em modelar-me, fazendo-me e desfazendo-me, sempre
insatisfeitos.
Porém
um dia, quando por acaso derem com minha forma definitiva, escaparei
e poderei sonhar-me eu mesmo, vibrante de realidade. Afastar-se-ão
eles, um do outro. E eu abandonarei a mulher e perseguirei o homem. E
montarei guarda a porta da alcova brandindo uma espada flamejante.
Juan José Arreola, in Confabulário total
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