segunda-feira, 18 de março de 2024

O sonho e o fado

Creso expulsou Solon de Sardes porque o famoso sábio desprezava os bens terrenos e somente se preocupava com o fim derradeiro das coisas. Creso se acreditava o mais feliz dos homens. Os deuses decidiram o seu castigo.
Sonhou o rei que seu bravo filho Atis morria de um ferimento produzido por ponta de ferro. Mandou guardar as lanças, dardos e espadas nos quartos destinados às mulheres e decidiu o casamento de seu filho. Nisto estavam quando chegou um homem com as mãos tintas de sangue: Adastro, frígio de sangue real, filho de Midas. Pediu asilo e purificação, pois assassinara involuntariamente um irmão e havia sido expulso do convívio dos seus. Creso concedeu-lhe ambas as graças.
Apareceu, então, em Mísia, um terrível javali que destroçava tudo. Aterrorizados, os mísios pediram a Creso que enviasse o valente Atis e outros jovens, porém o rei explicou que seu filho era recém-casado e devia atender seus assuntos privados. Atis soube disto e pediu ao rei que não o humilhasse. Creso contou-lhe o sonho. “Então, disse Atis, nada devemos temer, pois os dentes do javali não são de ferro”. O pai concordou e pediu a Adastro que acompanhasse seu filho, ao que o frígio assentiu, não obstante seu luto, pois se sentia em dívida com Creso. Durante a caçada Adastro, buscando atingir o animal com sua lança, matou Atis. Creso aceitou o destino que o fado lhe tinha adiantado em sonhos e perdoou a Adastro. Este, porém, degolou-se sobre a sepultura do infortunado príncipe. Assim o conta Heródoto, no primeiro dos Nove livros da história.

Jorge Luís Borges, in Livro de Sonhos

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