Há
dias de exaustão. Dias de descrença, nos quais o mundo parece estar
invertido e recheado de tarefas ingratas. Há dias em que tudo dá
errado, o molho respinga na camisa e a tabela de senhas do banco
simplesmente desaparece. Há dias em que tudo o que vemos são
pendências, projetos inacabados, ideias que não evoluem, ciclos que
não se fecham. Dias em que a única coisa que parece existir é a
nossa certeza sobre a ausência de sentido disso tudo.
Nesses
dias, o trajeto para casa parece mais longo, o trânsito parece pior
do que o habitual e, a princípio, não nos parece que chegar em casa
seja solução para nada daquilo. Caminhamos com algum cansaço,
procuramos as chaves com alguma dificuldade e, por fim, abrimos a
porta.
E
então as coisas mudam ligeiramente. Porque tem amor lá dentro. Tem
alguém te esperando, às vezes com uma panela no fogo, às vezes com
o rosto atrás da tela do computador, esmagado por prazos, às vezes
jogado no sofá, sem maiores preocupações. Independentemente de
como, tem alguém te esperando. E isso já é muita coisa.
Chegar
em casa e te encontrar é a certeza de ter amparo. De poder falar mal
do cliente, mal do chefe, mal do mundo e lavar a alma. É poder
dividir angústias e frustrações e ir se sentindo rapidamente
curado. É saber que não há encrenca cotidiana que resista a um
abraço longo e a uma hora de conversa no sofá.
Há
dias bons. Dias em que as coisas funcionam, em que os prazos são
cumpridos e tudo parece harmônico. Dias em que o prato vem rápido e
quentinho no almoço e não tem fila nenhuma no banheiro. Dias em que
as pessoas são gentis e os semáforos parecem estar todos abertos.
Nesses dias o caminho para casa tem música e a chave está no lugar
mais evidente possível. E então abrimos a porta.
E
tem alguém lá. Alguém com quem você pode dividir tudo o que deu
certo, comemorar pequenas vitórias, brindar em dia de semana. Nesses
dias dá até vontade de cozinhar, de descongelar aquele peito de
frango, de preparar um molho qualquer com bastante creme de leite. E
é bom ter alguém lá para experimentar sua receita errada.
Há
dias em que os dois tiveram um bom dia. Outros em que um é consolo e
outro é drama. Há dias em que ninguém está lá grande coisa. Mas,
seja como for, é sempre melhor que seja junto. É sempre melhor
abrir a porta e te encontrar. É sempre melhor estar em casa e te
ouvir colocar a chave na fechadura. É sempre melhor ter seu ombro,
seus ouvidos e seus olhos. E ser um ombro, dois ouvidos e dois olhos
para você.
É
melhor quando você está. É muito melhor quando você está.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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