A
voz e as saias pertenciam a uma mocinha morena, que se deteve à
porta, alguns instantes, ao ver gente estranha.
Silêncio
curto e constrangido. Dona Eusébia quebrou-o, enfim, com resolução
e franqueza:
– Vem
cá, Eugênia, disse ela, cumprimenta o Doutor Brás Cubas, filho do
Senhor Cubas; veio da Europa.
E
voltando-se para mim:
– Minha
filha Eugênia.
Eugênia,
a flor da moita, mal respondeu ao gesto de cortesia que lhe fiz;
olhou-me admirada e acanhada, e lentamente se aproximou da cadeira da
mãe. A mãe arranjou-lhe uma das tranças do cabelo, cuja ponta se
desmanchara. – Ah! travessa! dizia. Não imagina, doutor, o que
isto é... E beijou-a com tão expansiva ternura que me comoveu um
pouco; lembrou-me minha mãe, e – direi tudo, – tive umas cócegas
de ser pai.
– Travessa?
disse eu. Pois já não está em idade própria, ao que parece.
– Quantos
lhe dá?
– Dezessete.
– Menos
um.
– Dezesseis.
Pois então! é uma moça.
Não
pôde Eugênia encobrir a satisfação que sentia com esta minha
palavra, mas emendou-se logo, e ficou como dantes, ereta, fria e
muda. Em verdade, ela parecia ainda mais mulher do que era; seria
criança nos seus folgares de moça; mas assim quieta, impassível,
tinha a compostura da mulher casada. Talvez essa circunstância lhe
diminuía um pouco da graça virginal. Depressa nos familiarizamos; a
mãe fazia-lhe grandes elogios, eu escutava-os de boa sombra, e ela
sorria, com os olhos fúlgidos, como se lá dentro do cérebro lhe
estivesse a voar uma borboletinha de asas de ouro e olhos de
diamante...
Digo
lá dentro, porque cá fora o que esvoaçou foi uma borboleta preta,
que subitamente penetrou na varanda, e começou a bater as asas em
derredor de Dona Eusébia. Dona Eusébia deu um grito, levantou-se,
praguejou umas palavras soltas: – T'esconjuro!... sai, diabo!...
Virgem Nossa Senhora!
– Não
tenha medo, disse eu; e, tirando o lenço, expeli a borboleta. Dona
Eusébia sentou-se outra vez, ofegante, um pouco envergonhada; a
filha, pode ser que pálida de medo, dissimulava a impressão com
muita força de vontade. Apertei-lhes a mão e sai, a rir comigo da
superstição das duas mulheres, um rir filosófico, desinteressante,
superior. De tarde, vi passar a cavalo a filha de Dona Eusébia,
seguida de um pajem; fez-me um cumprimento com a ponta do chicote; e
confesso que me lisonjeei com a ideia de que, alguns passos adiante,
ela voltaria a cabeça para trás; mas não voltou.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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