Ora,
hoje eu vos falarei de amores. Não do amor terrestre, nem do amor
divino, mas de um aéreo amor que, para vos assustar, direi ser o
amor dos troquilídeos. Não, não vos assustei: troquilídeos são
esses lindos passarinhos que o vulgo chama de colibris ou
beija-flores.
O
naturalista Augusto Ruschi tem em seu viveiro e no jardim de sua
casa, uma bela casa construída pelo avô tirolês, em Santa Teresa,
Espírito Santo, muitos beija-flores de várias espécies. E como é
um homem curioso e indiscreto andou uns tempos a espreitar o namoro
dos beija-flores e depois me contou algo a respeito.
Sabe-se
que entre os passarinhos o macho é sempre muito mais bonito que a
fêmea; até em aves de quintal, como o galo e o peru, isso é fácil
de ver, sem falar no pavão, esse show imperial de cores feitas para
seduzir a feiota da pavoa. Quando sente palpitar seu coração de
amor, o colibri cuida de cativar a fêmea, e então dá início à
Parada Nupcial, que Ruschi divide em cinco fases.
Na
fase de APROXIMAÇÃO o macho começa a frequentar a área
territorial da fêmea. Sua plumagem está então se completando. Ele
fica a certa distância observando a amada, fazendo acrobacias aéreas
e cantando. A distância varia com cada espécie; há um tímido
beija-flor cor de ametista que sempre guarda uns cem metros de
distância, um outro fica a uns trinta metros, e outro há que se
aproxima até seis metros. Quando a fêmea não simpatiza com o macho
a coisa não dura: ela o caça a bicadas e o expulsa de seu
território. Se no começo do namoro outro macho aparece, o primeiro
é que o expulsa.
Segunda
fase: PERSEGUIÇÃO À FÊMEA. A esta altura a plumagem do macho
está em seu pleno esplendor, e ele começa a perseguição. Sempre
que a fêmea voa de seu pouso habitual ele vai atrás com ares
agressivos e um chilreado especial, agudo; ela foge com um chilreio
baixinho, tímido; esquiva-se esconde-se, para volver depois.
Terceira
fase: APRESENTAÇÃO. Já agora a fêmea passa a frequentar um ramo
mais aberto, e o macho voa perante a amada. Uns sobem e descem no ar
em voo de libração, outros descrevem círculos no ar,
aproximando-se em voo rasante e emitindo um som especial, um rrép
muito forte.
Quarta
fase: EXIBIÇÃO DE PLUMAGEM. O macho procura impressionar a fêmea
exibindo sua plumagem. Faz circunvoluções, e sempre que passa perto
da namorada eriça e move as plumas iridescentes, ergue o topete ou
os pompons, abre em leques as caudas coloridas, cantando um canto
forte e variado, subindo até cinquenta metros e baixando de súbito
para se imobilizar, todo resplendente de luz, num paroxismo de
beleza, diante da fêmea... Cada espécie executa um bale diferente,
mas todos exibem suas belezas com o máximo de esplendor. Esse
exibicionismo é tão intenso que os machos de certas espécies, que
só têm penas iridescentes nas costas, não hesitam: dançam de
costas para a amada, e depois se voltam com as penas do peito
projetadas para a frente. E há mesmo alguns beija-flores que têm
uma certa zona sem pêlos nem plumas na cabeça, uma aptéria ou
carequinha que às vezes um topete esconde. Pois nesse momento de
excitação essa pequena calva se faz de azul-cobalto; e o macho,
depois de muitas acrobacias e paradas e exibição de penas, posta-se
perante a amada e curva a cabecinha, para que ela possa ver sua
careca azul...
Se
isso não é verdade, a mentira será do Professor Ruschi. Eu por mim
acho que deve ser, tantas e tão raras e estrambólicas e loucas
ações tenho visto nos homens quando querem conquistar certas
mulheres. Beija-flor não é melhor do que nós; e nessa luta vale
tudo, desde o carro fora de série até o diamante, o poema e a
careca azul.
Bem,
eu ia esquecendo de me referir à quinta fase; direi apenas que nos
beija-flores ela não dura mais de dois segundos…
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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