segunda-feira, 22 de maio de 2023

A rosa branca

Corola alta: que extrema superfície. Catedral de vidro superfície da superfície, inatingível. Pelo teu talo duas vozes à terceira e à quinta e à nona se unem em coral – crianças sábias abrem bocas de manhã e entoam espírito, leve superfície de espírito, superfície intocável de uma rosa.
Estendo minha mão esquerda que é mais fraca e delicada, mão escura que logo recolho sorrindo de pudor: não te posso tocar. Meu rude pensamento quisera poder cantar teu entendimento de gelo e glória.
Tento liberar-me da memória, entender-te como te vê a aurora, como te vê uma cadeira, como te vê outra flor. (Não temas, não quero possuir-te.)Alço-me, alço-me em direção de tua superfície que já é perfume.
Alço-me até atingir minha própria tona, minha própria aparência – empalideço nessa região assustada e fina, quase alcanço tua superfície divina... Numa queda ridícula caí.
Não abaixo minha cabeça rosnante: quero ao menos sofrer tua vitória com o sofrimento angélico de tua harmonia, de tua alegria. Mas dói-me o coração grosseiro como em amor por um homem. E das mãos tão grandes saem as palavras envergonhadas.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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