7
— Chinaski!
Pegue a rota 539!
A
rota mais difícil do Posto. Condomínios com caixas de correio que
tinham nomes quase apagados ou mesmo nenhum nome, sob pequenas
lâmpadas em saguões escuros. Velhas senhoras de pé nas varandas,
do começo ao fim da rua, fazendo as mesmas perguntas, como se fossem
uma só pessoa, sempre com a mesma voz:
— Carteiro,
tem alguma carta para mim?
E
você tinha então vontade de berrar:
— Dona,
como, diabos, posso saber quem é a senhora, quem sou eu, quem é
qualquer um?
O
suor escorrendo, a ressaca, a impossibilidade de cumprir o horário
programado, e Jonstone com sua camisa vermelha, sabendo de tudo,
divertindo-se a valer, fazendo de conta que tudo aquilo tinha a ver
com contenção de despesas. Mas todo mundo sabia por que ele agia
assim. Que grande homem ele era!
As
pessoas. As pessoas. E os cães.
Preciso
falar dos cães. Era um daqueles dias de calor, acima dos 35 graus, e
eu corria como louco, suando, enjoado, delirando, podre de ressaca.
Cheguei num pequeno condomínio que tinha uma caixa de correio no
térreo, ao lado da calçada. Abri-a com minha chave. Não havia
nenhum som. Então senti algo se enfiando entre minhas pernas, junto
à virilha. Recuei num salto e me afastei. Olhei em volta e lá
estava um pastor alemão, dos grandes, o focinho quase enfiado no meu
cu. Um movimento de suas mandíbulas me arrancaria as bolas. Decidi
que aquelas pessoas não receberiam as cartas naquele dia e talvez
não recebessem nunca mais. Cara, deixa eu dizer uma coisa, aquele
bicho chegou mesmo a meter aquele focinho lá dentro. SNUFF! SNUFF!
SNUFF!
Coloquei
a correspondência de volta na sacola de couro e depois, bem devagar,
devagar mesmo, dei meio passo à frente. O focinho me seguiu. Dei
mais um meio passo com o outro pé. O focinho me seguiu. Então dei
um passo inteiro, bem devagar. E mais outro. Depois parei. O focinho
estava fora. O bicho ficou ali parado, olhando para mim. Talvez nunca
tivesse sentido um cheiro como aquele, e não soubesse bem o que
fazer.
Escapei
dali a passos leves.
8
Houve
outro pastor alemão. Era um verão quente e ele veio PULANDO de um
quintal e então SALTOU, cruzando o ar. Seus dentes estalaram,
errando por pouco a minha jugular.
— OH,
JESUS! — gritei. — OH, JESUS CRISTO! ASSASSINATO! ASSASSINATO!
SOCORRO! ASSASSINATO!
A
fera deu meia-volta e saltou de novo. Acertei sua cabeça em cheio
com a sacola, bem no meio do salto, as cartas e as revistas voaram.
Ele estava pronto para saltar outra vez quando dois caras, os donos,
surgiram e o agarraram. Então, enquanto o cão me encarava sem parar
de rosnar, eu me agachei e recolhi as cartas e as revistas que teria
de reorganizar em frente à varanda da casa seguinte.
— Seus
filhos da puta dementes — eu disse aos dois homens —, esse
cachorro é um assassino. Livrem-se dele ou mantenham ele longe da
rua!
Eu
teria dado uma sova nos dois, mas havia aquele cachorro ali, rosnando
e bufando no meio deles. Fui até a varanda adiante e reorganizei a
minha correspondência em cima dos joelhos.
Como
de costume, não tive tempo de almoçar, mas ainda assim, quando
retornei, estava quarenta minutos atrasado.
O
Stone olhou o relógio.
— Você
está quarenta minutos atrasado.
— Você
nunca chegou — eu lhe disse.
— Será
registrado no relatório.
— Tenho
certeza disso, Stone.
Ele
tinha o formulário apropriado na máquina de escrever e já o
preenchia. Enquanto eu estava sentado, acomodando as cartas e
preparando as devoluções, ele se aproximou e jogou o formulário na
minha cara. Eu estava cansado de ler seus relatórios e sabia, desde
a minha ida ao centro, que qualquer protesto seria perda de tempo.
Sem olhar para o papel, atirei-o ao cesto de lixo.
9
Todas
as rotas tinham armadilhas e apenas os carteiros regulares as
conheciam. Todo dia era a mesma merda, e você precisava estar
preparado para um estupro, um assassinato, cães ou algum tipo de
insanidade. Os regulares não revelavam seus segredinhos. Era a única
vantagem que tinham — exceto saberem seus itinerários de cor. Era
de matar para um novato, principalmente para um que bebia a noite
inteira, ia para cama às duas, levantava às quatro e meia, depois
de trepar e cantar a noite toda, e quase conseguindo sair ileso de
tudo isso.
Um
dia eu andava pela rua e o percurso corria bem, embora fosse uma rota
nova, e pensei, Jesus Cristo, talvez seja a primeira vez em dois anos
que terei tempo para almoçar.
Eu
sofria de uma ressaca horrível, mas mesmo assim tudo ia bem até
chegar um bolo de cartas endereçadas a uma igreja. O endereço não
tinha número, apenas o nome da igreja e do bulevar que ficava em
frente. Subi, mareado, as escadas. Não encontrei a caixa de correio
e não havia ninguém por ali. Algumas velas ardiam. Pequenas bacias
para mergulhar os dedos. E um púlpito vazio a me encarar, e todas as
estátuas, de um vermelho pálido, azuis, amarelas, as aberturas
fechadas, uma manhã fodida de calor.
Jesus
Cristo, pensei.
E
fui embora.
Dei
a volta pela lateral da igreja e topei com uma escada que descia.
Atravessei uma porta aberta. Você sabe o que eu vi? Uma fila de
banheiros. E chuveiros. Mas estava escuro. Todas as luzes apagadas.
Como, diabos, esperam que um homem encontre uma caixa de
correspondência no escuro? Então avistei o comutador. Apertei a
chave e as luzes da igreja se acenderam, dentro e fora. Avancei até
a sala seguinte e havia batinas de padres estendidas numa mesa. Havia
também uma garrafa de vinho.
Pelo
amor de Deus, pensei, quem no mundo senão eu seria pego numa cena
como essa?
Agarrei
a garrafa de vinho, dei um bom gole, deixei as cartas sobre as
batinas e voltei a passar pelos chuveiros e banheiros. Apaguei as
luzes, dei uma boa cagada no escuro e fumei um cigarro. Pensei em
tomar uma chuveirada, mas podia enxergar as manchetes: CARTEIRO É
FLAGRADO BEBENDO O SANGUE DE CRISTO E TOMANDO BANHO NU NUMA IGREJA
CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA.
Então,
finalmente, não sobrou tempo para almoçar e quando voltei Jonstone
me pôs no relatório por estar vinte e três minutos fora do horário
programado.
Mais
tarde descobri que a correspondência da igreja devia ser entregue na
casa paroquial da esquina. Mas agora, claro, já sabia onde dar uma
cagada e tomar um banho quando estivesse na pior.
Charles Bukowski, in Cartas na Rua
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