sábado, 8 de abril de 2023

Cartas na Rua | UM


7

Chinaski! Pegue a rota 539!
A rota mais difícil do Posto. Condomínios com caixas de correio que tinham nomes quase apagados ou mesmo nenhum nome, sob pequenas lâmpadas em saguões escuros. Velhas senhoras de pé nas varandas, do começo ao fim da rua, fazendo as mesmas perguntas, como se fossem uma só pessoa, sempre com a mesma voz:
Carteiro, tem alguma carta para mim?
E você tinha então vontade de berrar:
Dona, como, diabos, posso saber quem é a senhora, quem sou eu, quem é qualquer um?
O suor escorrendo, a ressaca, a impossibilidade de cumprir o horário programado, e Jonstone com sua camisa vermelha, sabendo de tudo, divertindo-se a valer, fazendo de conta que tudo aquilo tinha a ver com contenção de despesas. Mas todo mundo sabia por que ele agia assim. Que grande homem ele era!
As pessoas. As pessoas. E os cães.
Preciso falar dos cães. Era um daqueles dias de calor, acima dos 35 graus, e eu corria como louco, suando, enjoado, delirando, podre de ressaca. Cheguei num pequeno condomínio que tinha uma caixa de correio no térreo, ao lado da calçada. Abri-a com minha chave. Não havia nenhum som. Então senti algo se enfiando entre minhas pernas, junto à virilha. Recuei num salto e me afastei. Olhei em volta e lá estava um pastor alemão, dos grandes, o focinho quase enfiado no meu cu. Um movimento de suas mandíbulas me arrancaria as bolas. Decidi que aquelas pessoas não receberiam as cartas naquele dia e talvez não recebessem nunca mais. Cara, deixa eu dizer uma coisa, aquele bicho chegou mesmo a meter aquele focinho lá dentro. SNUFF! SNUFF! SNUFF!
Coloquei a correspondência de volta na sacola de couro e depois, bem devagar, devagar mesmo, dei meio passo à frente. O focinho me seguiu. Dei mais um meio passo com o outro pé. O focinho me seguiu. Então dei um passo inteiro, bem devagar. E mais outro. Depois parei. O focinho estava fora. O bicho ficou ali parado, olhando para mim. Talvez nunca tivesse sentido um cheiro como aquele, e não soubesse bem o que fazer.
Escapei dali a passos leves.

8

Houve outro pastor alemão. Era um verão quente e ele veio PULANDO de um quintal e então SALTOU, cruzando o ar. Seus dentes estalaram, errando por pouco a minha jugular.
OH, JESUS! — gritei. — OH, JESUS CRISTO! ASSASSINATO! ASSASSINATO! SOCORRO! ASSASSINATO!
A fera deu meia-volta e saltou de novo. Acertei sua cabeça em cheio com a sacola, bem no meio do salto, as cartas e as revistas voaram. Ele estava pronto para saltar outra vez quando dois caras, os donos, surgiram e o agarraram. Então, enquanto o cão me encarava sem parar de rosnar, eu me agachei e recolhi as cartas e as revistas que teria de reorganizar em frente à varanda da casa seguinte.
Seus filhos da puta dementes — eu disse aos dois homens —, esse cachorro é um assassino. Livrem-se dele ou mantenham ele longe da rua!
Eu teria dado uma sova nos dois, mas havia aquele cachorro ali, rosnando e bufando no meio deles. Fui até a varanda adiante e reorganizei a minha correspondência em cima dos joelhos.
Como de costume, não tive tempo de almoçar, mas ainda assim, quando retornei, estava quarenta minutos atrasado.
O Stone olhou o relógio.
Você está quarenta minutos atrasado.
Você nunca chegou — eu lhe disse.
Será registrado no relatório.
Tenho certeza disso, Stone.
Ele tinha o formulário apropriado na máquina de escrever e já o preenchia. Enquanto eu estava sentado, acomodando as cartas e preparando as devoluções, ele se aproximou e jogou o formulário na minha cara. Eu estava cansado de ler seus relatórios e sabia, desde a minha ida ao centro, que qualquer protesto seria perda de tempo. Sem olhar para o papel, atirei-o ao cesto de lixo.

9

Todas as rotas tinham armadilhas e apenas os carteiros regulares as conheciam. Todo dia era a mesma merda, e você precisava estar preparado para um estupro, um assassinato, cães ou algum tipo de insanidade. Os regulares não revelavam seus segredinhos. Era a única vantagem que tinham — exceto saberem seus itinerários de cor. Era de matar para um novato, principalmente para um que bebia a noite inteira, ia para cama às duas, levantava às quatro e meia, depois de trepar e cantar a noite toda, e quase conseguindo sair ileso de tudo isso.
Um dia eu andava pela rua e o percurso corria bem, embora fosse uma rota nova, e pensei, Jesus Cristo, talvez seja a primeira vez em dois anos que terei tempo para almoçar.
Eu sofria de uma ressaca horrível, mas mesmo assim tudo ia bem até chegar um bolo de cartas endereçadas a uma igreja. O endereço não tinha número, apenas o nome da igreja e do bulevar que ficava em frente. Subi, mareado, as escadas. Não encontrei a caixa de correio e não havia ninguém por ali. Algumas velas ardiam. Pequenas bacias para mergulhar os dedos. E um púlpito vazio a me encarar, e todas as estátuas, de um vermelho pálido, azuis, amarelas, as aberturas fechadas, uma manhã fodida de calor.
Jesus Cristo, pensei.
E fui embora.
Dei a volta pela lateral da igreja e topei com uma escada que descia. Atravessei uma porta aberta. Você sabe o que eu vi? Uma fila de banheiros. E chuveiros. Mas estava escuro. Todas as luzes apagadas. Como, diabos, esperam que um homem encontre uma caixa de correspondência no escuro? Então avistei o comutador. Apertei a chave e as luzes da igreja se acenderam, dentro e fora. Avancei até a sala seguinte e havia batinas de padres estendidas numa mesa. Havia também uma garrafa de vinho.
Pelo amor de Deus, pensei, quem no mundo senão eu seria pego numa cena como essa?
Agarrei a garrafa de vinho, dei um bom gole, deixei as cartas sobre as batinas e voltei a passar pelos chuveiros e banheiros. Apaguei as luzes, dei uma boa cagada no escuro e fumei um cigarro. Pensei em tomar uma chuveirada, mas podia enxergar as manchetes: CARTEIRO É FLAGRADO BEBENDO O SANGUE DE CRISTO E TOMANDO BANHO NU NUMA IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA.
Então, finalmente, não sobrou tempo para almoçar e quando voltei Jonstone me pôs no relatório por estar vinte e três minutos fora do horário programado.
Mais tarde descobri que a correspondência da igreja devia ser entregue na casa paroquial da esquina. Mas agora, claro, já sabia onde dar uma cagada e tomar um banho quando estivesse na pior.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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