Marco
divisor em sua obra e carreira, com essa canção e o disco de mesmo
nome lançado em 1971, Chico Buarque (1944) mostrou aos seus (poucos)
críticos que era muito mais do que um continuador de Noel Rosa ou um
ótimo letrista que também fazia músicas. A densa e pesada
“Construção” é uma engenhosa e sofisticada composição de
estrutura matemática que remete a João Cabral de Melo Neto, montada
com permutações de palavras-chave sobre uma marcação rítmica
obsessiva e crescente, para desenvolver em rimas proparoxítonas e
virtuosísticas a história trágica da morte de um operário de
construção.
Numa
canção cinematográfica, com imagens dramáticas de um cotidiano
massacrante, a letra construída por Chico, além do rigor literário,
mostra sinais da estética da Poesia Concreta, desenvolvida pelos
irmãos Haroldo e Augusto de Campos e por Décio Pignatari, que tanto
influenciaram e apoiaram os tropicalistas.
“E
tropeçou no céu como se ouvisse música / E flutuou no ar como se
fosse sábado / E se acabou no chão feito um pacote tímido /
Agonizou no meio do passeio náufrago / Morreu na contramão
atrapalhando o público.”
Fundamental
para a potência da gravação de Chico foi a grandiosidade épica e
ruidosa do arranjo do tropicalista-concretista Rogério Duprat,
grande maestro da vanguarda musical paulistana que teve papel
fundamental nos trabalhos que Caetano, Gil e os Mutantes fizeram
durante a Tropicália.
No
mesmo disco, mostrando sua evolução e amadurecimento musical e
poético, Chico ainda apresentava músicas poderosas como a irada
“Deus lhe pague” (que décadas depois seria gravada por grupos de
heavy metal), a opressiva “Cotidiano”, a belíssima “Olha,
Maria” (com Tom Jobim) e “Samba de Orly” (com Toquinho), mas
foi a faixa-título que mais se destacou, apontando para os caminhos
que a obra de Chico iria seguir.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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