domingo, 22 de janeiro de 2023

A consciência

Quando desciam as águas do Orinoco, as piráguas traziam os caribes com seus machados de guerra.
Ninguém podia com os filhos do jaguar. Arrasavam as aldeias e faziam flautas com os ossos de suas vítimas.
Não temiam ninguém. Somente lhes dava pânico um fantasma que tinha brotado de seus próprios corações.
Ele os esperava, escondido atrás dos troncos. Ele rompia as pontes e colocava no caminho os cipós enredados que faziam com que eles tropeçassem. Viajava de noite; para despistá-los, pisava ao contrário. Estava no monte que se desprendia da rocha, no lodo que afundava debaixo de seus pés, na folha da planta venenosa e no roçar da aranha. Ele os derrubava soprando, metia-lhes a febre pela orelha e roubava-lhes a sombra.
Não era a dor, mas doía. Não era a morte, mas matava. Se chamava Kanaima e tinha nascido entre os vencedores para vingar os vencidos.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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