terça-feira, 10 de janeiro de 2023

As grandes indagações

Recebi de Belo Horizonte uma carta não assinada mas que, se supõe, requer resposta. Acontece porém que não sei responder. Talvez algum leitor saiba. Eis a carta:
É fácil e possível explicar-se o fato de que 99% dos seres humanos passam sempre uma fase de sua vida sem saber dizer o significado de sua existência.
Digamos que todos estes sentem-se nestas condições quando algo em sua vida rotineira não segue o curso normal – ou seja, quando saem da rotina. Também podemos dizer que isto acontece quando eles, afastando-se de sua vida de prazeres – e pensam ser felizes – têm tempo de pensar um pouco. E com que se deparam? Apenas descobrem que todos os caminhos levam à velhice, seguida do fato irremediável da morte. Alguns não se assustam com esse futuro, e logo retornam à sua felicidade medíocre. Mas – e os outros que ainda não localizaram essa felicidade? Simplesmente perdem todo sentido da vida e passam o resto desta em busca de uma explicação lógica que lhes diga o que fazem aqui.
Preparar um mundo melhor para nossos filhos? Que farsa, se nossos pais, nossos avós e tataravós, enfim, gerações de milênios e milênios, desde nossos antepassados trogloditas, viveram sempre com este ideal. E o que encontramos? Só misérias, o mundo cheio de preconceitos, guerras, rixas, fome e podridão, no qual as novas gerações pouco a pouco descobrem o vazio de suas vidas. Ao homem deveria ser dado um mundo só de felicidade, em que sua função seria apenas a de conservá-lo belo e humano, para sua posteridade, e não dar-se a ele um mundo sujo e podre onde, só de enfrentá-lo, suja-se também até a alma – se é que esta existe.
Às ruas saem às vezes levas e levas de pessoas a protestarem contra os abusos – de que adianta? Nada. As coisas continuam as mesmas. Apenas exaltam-se os ânimos daqueles que levantaram o protesto. Não aludi a este fato querendo com isso dizer que os protestos deveriam surtir efeito e sim acrescentar a isto que as pessoas que lançam um protesto – seja contra o que for – o fazem não só por outrem, mas sim, protestam contra algo que já sentiram ou têm medo de sentir. É um mundo ou um circo?
De que adianta ao homem a evolução da ciência? De que nos adianta conhecer outros planetas se o nosso tem tantas coisas a serem conhecidas? É evidente que o progresso da ciência nos traz alívio para as dores físicas, conforto e descanso para nosso corpo, divertimentos para a nossa família. Mas... à custa de quê? A descoberta do átomo, que tanto promete à humanidade, já custou quantas vidas? Quantas mais custarão? O progresso da engenharia moderna, da ciência em geral, a evolução enfim de toda a humanidade trouxeram-nos apenas coisas bonitas? Não. Para cada melhora, um instrumento de destruição. Nessa sequência de inventos e descobertas muitas vezes o resultado é realmente benéfico, mas, enquanto procuramos soluções para os problemas externos, criamos dentro de nós um outro mundo onde o sofrimento é muito maior. Não esqueçamos de que o mundo é muito paciente, suporta há muitos milênios os sofrimentos dos homens. Mas os homens poderão suportar por outros milênios os sofrimentos que pouco a pouco se agigantam?
Enfim, gostaria que alguém me respondesse a esta pergunta: nascemos e estamos vivendo com sofrimentos e alegrias, sonhos e lembranças – mas com que fim estamos aqui? Ou melhor: qual é o sentido da vida? A explicação de nossa existência, qual é?
Você que talvez esteja lendo estas palavras que nunca lhe passaram pela cabeça como pensamento, pense bem, e depois me responda.
Essas perguntas, essas perplexidades, já ocorreram a muitos e muitos. Não sei se eles souberam responder. Eu, não. Só sei lhe dizer que a vida não tem lógica. E que a beleza de ver é ilógica também.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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