A
fondue não é uma refeição, é uma confraternização. As
pessoas se reúnem em torno de uma pequena panela cheia de óleo
borbulhante e são felizes. A fondue de carne é mais alegre
do que a de queijo. Nesta a panela fica cheia de queijo derretido no
qual você mergulha pedaços de pão, enquanto na de carne você
deixa os pedaços de filé fritando no óleo, espetados na ponta de
garfos compridos, e os garfos ficam ali em divertido congresso dentro
do óleo, cada um esperando o seu dono vir pegá-lo, pegar o garfo
errado e ouvir protestos gerais, deixar cair a carne e depois tentar
pescá-la do fundo da panela — enfim, não há compostura que
resista. Recomenda-se a fondue para jantares formais que logo
ficam informais, para conferências de cúpula entre o Oriente e o
Ocidente e para casais brigados que querem fazer as pazes. Neste caso
é preciso haver um firme desejo de paz, senão pode dar confusão
com os garfinhos, outra briga e cuidado com o óleo fervendo!
A
fondue verdadeira ou, pelo menos, verdadeiramente suíça, é
de queijo acompanhada de vinho tinto e vagos ruídos de satisfação.
O queijo não é qualquer um, claro, e não está sozinho na panela.
Mas não me pergunte o que vai junto. A única parte de qualquer
receita de comida que me interessa é a última, aquela que começa
depois do “leve à mesa”. Eu só entro em cozinha para abrir a
geladeira.
As
outras fondues têm origens diversas, quase todas nas regiões
alpinas francesas. Todas têm em comum a panela com óleo fervendo, o
que varia é o que você coloca dentro do óleo. De todas estas
variações só conheço a fondue de carne, se bem que há
algum tempo contemple a possibilidade de grandes e rubicundos
camarões serem mergulhados — entre gritos selvagens de prazer, e
de dor com o óleo que respinga — na panela, para emergirem
instantes depois tostados e crispados, prontos para o seu destino:
uma rápida passagem pelo molho e o meu estômago impaciente. Só um
minuto que eu preciso passar um lenço pelas teclas da máquina de
escrever. Pronto. Não experimentei ainda a fondue de camarão porque
precisei escolher entre comprar alguns quilos de camarão gigante e
pagar a educação dos meus filhos e a consciência — depois de
alguma hesitação — falou mais alto. Quando as crianças já
estiverem encaminhadas na vida, quem sabe... Na fondue de
carne o importante para se julgar o talento de quem faz são os
molhos, já que cortar um filé em cubos e encher uma panela com
óleo, até eu. A última fondue de carne que comi foi em
Gramado, sábado passado. Oito qualidades de molho: raiz-forte,
laranja, rémoulade, Cardinale, creme, vinagrete, tomate,
framboesa. Feitos por pessoas definitivamente de talento, no
Restaurante Santo Humberto, com janelões sobre o lago Negro. A
fondue do Santo Humberto foi no almoço. O jantar foi na casa
da Olga Reverbel, e não preciso dizer que saiu tarde, pois às nove
da noite a memória dos molhos ainda era mais forte do que a fome e
todas as promessas culinárias de Olga. Fiquei com as crianças no
jardim, atirado numa rede, olhando para o céu mais estrelado da
minha vida, enquanto as mulheres preparavam a janta. Um momento
mágico. Falei para as crianças das constelações, das formas que
os antigos tinham descoberto nas estrelas, na Ursa Maior, no
Escorpião... As meninas não demoraram em descobrir outras no céu,
até então insuspeitas: um urinol, um bigode de mexicano, uma
meleca... Impossível manter a seriedade de qualquer empreendimento
didático, numa noite de outono, em Gramado. E então nos chamaram
para comer.
Em
tempo: o jantar foi um arroz montanhês no qual a linguiça, o milho,
a cebola e a maçã se apresentavam em escandalosa promiscuidade,
isto para só falar nos ingredientes que eu decifrei. Antes de
dormir, revimos na televisão O planeta dos macacos, uma séria
advertência sobre o futuro negro que nos espera e os piores impulsos
da humanidade. Sei não, mas naquela noite nada daquilo era comigo…
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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