A
história de um dos maiores enigmas da História: onde Édipo amarrou
o seu cavalo?
Perguntou
a Medusa para Édipo:
— Escuta
aqui, você viu bem onde amarrou seu cavalo?
(O
cavalo era um Pegasozinho meio de quinta. Mas com asas.)
— Hein?
— resmungou Édipo, as rédeas ainda na mão.
— Não
faz o distraído comigo que eu te petrifico, viu? — gritou a
Medusa, que era muito temperamental. — Te conheço não é de hoje.
— Saco
— murmurou Édipo. — Sempre onipotente.
Medusa
ficou uma fúria:
— Olha
nos meus olhos já! — ordenou. — Direto nos meus olhos, seu
panaca. — Ela olhou fundo nos olhos dele. As cobrinhas da cabeça
ficaram em pé. — Considere-se petrificado.
— Naja
idiota — bocejou Édipo. — Não vê que sou cego?
Medusa
bateu na testa:
— É
mesmo! Por Juno, eu tinha esquecido.
Sei,
sei. O enigma, Tebas, Jocasta, aquela baixaria toda. Cuspiu de lado:
— Tarado.
Édipo
ia reagir quando chegou Perséfone: percebeu pelo excesso de perfume
no ar. Sim, pensou, Perséfone tinha mesmo ficado meio tang demais
depois de superada aquela horrível fase dark no Hades.
— Édipo,
meu gato! — ela gritou. — Nossa, quanto tempo. Desde aquela tarde
em Elêusis, quem diria? — Começou a falar outra abobrinha
qualquer, mas interrompeu-se com um grito: — Por Palas-Atena, baby:
você viu bem onde amarrou seu cavalo?
— Perua!
— interrompeu a Medusa. — Eu já dei o toque pra ele.
Perséfone
fez que não ouviu. Já tinham rolado uns lances entre elas no verão
passado, em Creta (Medusa calçava 52, bico largo). Super-heavy:
Perséfone preferiu tirar o time. Mais ainda depois que conhecera
Teseu, na musculação. Insistiu, como se Medusa não existisse:
— Mas
me diz, meu bem: você viu onde amarrou seu cavalo?
— Eu
não vejo, pô — rosnou Édipo. — E você que vê, por Cronos,
poderia me fazer o enorme favor de dizer, Parcas, onde…
Perséfone
era muito dispersiva. Nesse momento olhou para cima e viu o
inconfundível acrílico da asa-delta de Ícaro. Chamou:
— Ícaro!
Ícaro, desça já-já aqui, seu piradinho!
Ícaro
desceu. Não porque tivesse ouvido (ao voar, usava sempre headphones
com som de Philip Glass: dava o maior clima), mas por coincidência
tinha olhado para baixo e visto os três. Quatro com Pégaso.
— E
aí, lasanha? Dando banda? — Perséfone era demais galinha.
— Estou
procurando Apolo — respondeu Ícaro, muito digno.
Baixo-astral
como era, Medusa não perdeu a oportunidade:
— Apolo?
Acabei de vê-lo com Narciso, nos Jardins com as Hespérides. Aliás,
nunca vi Narciso tão bonito. Herítia apresentou uns pomos pra eles,
e você precisava ver, que gracinha, Apolo dando pedacinhos pra ele …
Ícaro
ficou lívido. Estava a ponto de rodar a cariátide quando Perséfone,
diplomatiquérrima (era Libra), cortou:
— Você
conhece Édipo, Ícaro?
— Prazer
— disse Ícaro, estendendo a mão. — Ícaro.
— Édipo
— disse Édipo, uma mão nas rédeas, outra tateando no ar. —
Escuta, você não é o filho de Dédalo?
— Você
conhece meu pai? Ele… — Ícaro parecia encantado, mas
interrompeu-se com um grito: — Por Vulcano, Édipo! Você viu bem
onde amarrou seu cavalo?
Foi
então que Édipo sacou que a situação era realmente grave. Soltou
as rédeas e disse aquela frase que acabou entrando para a História:
— Por Zeus, vocês que veem querem parar com essa galinhagem e me
dizer de uma vez por todas: onde foi que eu vim amarrar meu
cavalo?
Caio Fernando Abreu, in Pequenas epifanias
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