sábado, 2 de julho de 2022

O mistério do cavalo de Édipo

A história de um dos maiores enigmas da História: onde Édipo amarrou o seu cavalo?

Perguntou a Medusa para Édipo:
Escuta aqui, você viu bem onde amarrou seu cavalo?
(O cavalo era um Pegasozinho meio de quinta. Mas com asas.)
Hein? — resmungou Édipo, as rédeas ainda na mão.
Não faz o distraído comigo que eu te petrifico, viu? — gritou a Medusa, que era muito temperamental. — Te conheço não é de hoje.
Saco — murmurou Édipo. — Sempre onipotente.
Medusa ficou uma fúria:
Olha nos meus olhos já! — ordenou. — Direto nos meus olhos, seu panaca. — Ela olhou fundo nos olhos dele. As cobrinhas da cabeça ficaram em pé. — Considere-se petrificado.
Naja idiota — bocejou Édipo. — Não vê que sou cego?
Medusa bateu na testa:
É mesmo! Por Juno, eu tinha esquecido.
Sei, sei. O enigma, Tebas, Jocasta, aquela baixaria toda. Cuspiu de lado: — Tarado.
Édipo ia reagir quando chegou Perséfone: percebeu pelo excesso de perfume no ar. Sim, pensou, Perséfone tinha mesmo ficado meio tang demais depois de superada aquela horrível fase dark no Hades.
Édipo, meu gato! — ela gritou. — Nossa, quanto tempo. Desde aquela tarde em Elêusis, quem diria? — Começou a falar outra abobrinha qualquer, mas interrompeu-se com um grito: — Por Palas-Atena, baby: você viu bem onde amarrou seu cavalo?
Perua! — interrompeu a Medusa. — Eu já dei o toque pra ele.
Perséfone fez que não ouviu. Já tinham rolado uns lances entre elas no verão passado, em Creta (Medusa calçava 52, bico largo). Super-heavy: Perséfone preferiu tirar o time. Mais ainda depois que conhecera Teseu, na musculação. Insistiu, como se Medusa não existisse:
Mas me diz, meu bem: você viu onde amarrou seu cavalo?
Eu não vejo, pô — rosnou Édipo. — E você que vê, por Cronos, poderia me fazer o enorme favor de dizer, Parcas, onde…
Perséfone era muito dispersiva. Nesse momento olhou para cima e viu o inconfundível acrílico da asa-delta de Ícaro. Chamou:
Ícaro! Ícaro, desça já-já aqui, seu piradinho!
Ícaro desceu. Não porque tivesse ouvido (ao voar, usava sempre headphones com som de Philip Glass: dava o maior clima), mas por coincidência tinha olhado para baixo e visto os três. Quatro com Pégaso.
E aí, lasanha? Dando banda? — Perséfone era demais galinha.
Estou procurando Apolo — respondeu Ícaro, muito digno.
Baixo-astral como era, Medusa não perdeu a oportunidade:
Apolo? Acabei de vê-lo com Narciso, nos Jardins com as Hespérides. Aliás, nunca vi Narciso tão bonito. Herítia apresentou uns pomos pra eles, e você precisava ver, que gracinha, Apolo dando pedacinhos pra ele …
Ícaro ficou lívido. Estava a ponto de rodar a cariátide quando Perséfone, diplomatiquérrima (era Libra), cortou:
Você conhece Édipo, Ícaro?
Prazer — disse Ícaro, estendendo a mão. — Ícaro.
Édipo — disse Édipo, uma mão nas rédeas, outra tateando no ar. — Escuta, você não é o filho de Dédalo?
Você conhece meu pai? Ele… — Ícaro parecia encantado, mas interrompeu-se com um grito: — Por Vulcano, Édipo! Você viu bem onde amarrou seu cavalo?
Foi então que Édipo sacou que a situação era realmente grave. Soltou as rédeas e disse aquela frase que acabou entrando para a História: — Por Zeus, vocês que veem querem parar com essa galinhagem e me dizer de uma vez por todas: onde foi que eu vim amarrar meu cavalo?

Caio Fernando Abreu, in Pequenas epifanias

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