Ah,
mês de abril, que delícia de existir! Também para Pedro Malazarte.
Vou
contar: como o pai tinha morrido, a mãe dividira em pedaços a casa
toda, dando-os a cada filho. A Pedro Malazarte coube uma porta. Ele
pensou: com esta porta conquistarei o mundo. Realmente, em breve viu
um urubu pousado num burro morto. Mais que depressa jogou a porta em
cima deles – e como o urubu ficou manco, foi fácil pegá-lo. Para
que queria ele um urubu? Lá disso sabia ele. E quando sentiu no ar
os eflúvios de um jantar magnífico, bateu à porta da casa de uma
senhora, gulosa e sabida, que estava preparando para si mesma um
banquete, escondido do marido que fora viajar. Malazarte foi
irritadamente expulso pela sabidona e sua criada. Então, com o
auxílio da porta encostada na parede, subiu ao teto e de lá viu
embaixo comida boa para valer. Tinha leitão assado, peru, e tudo o
mais que delicia um homem. Foi quando o marido chegou,
inesperadamente. A mulher matreira lamentou-se: se eu soubesse que
você vinha eu preparava coisa boa de se comer, mas como não te
esperava só tenho carne-seca, feijão ralo e farinha morrinhenta...
Aí,
Malazarte apresentou-se de novo com o seu urubu, sabendo que o marido
não lhe recusaria um pouco do minguado jantar. Mal começara a comer
quando Malazarte deu, bem disfarçado, uma cutucada no urubu, que
gemeu.
– Por
que é que ele está se lamentando? – perguntou o dono da casa.
– Está
me dizendo umas novidades – respondeu Malazarte. – O meu urubu,
ao contrário dos outros, fala e está me contando que sua mulher lhe
guardou um leitãozinho assado de surpresa...
A
mulher teve medo de Malazarte e disse:
– Oh,
urubu danado, estragou a surpresa! Tenho mesmo este leitãozinho para
você...
Daqui
a pouco o urubu gemeu de novo, o que fez Malazarte dizer:
– Ô
urubu intrometido, para de me contar!
– O
que é que ele está contando?
– Que
tem peru recheado.
– Meu
maridinho, essa era outra surpresa que o urubu desaforado estragou.
Mas coma um pouco deste peru. E tenho doces, frutas, bebidas...
Como
era 1º de abril, dia de se enganar os outros, Malazarte vendeu
falsamente o precioso urubu ao dono da casa para lhe servir de
espião.
Bem
alimentado, Malazarte prosseguiu caminho com a porta debaixo do
braço.
Moral:
mais vale uma porta desvalida e esperteza de Malazarte, que uma casa
inteira para quem não tem arte.
Clarice Lispector, in Doze lendas brasileiras
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