quarta-feira, 6 de abril de 2022

Leilão


Em algum lugar perto daqui há galos.
De joelhos, com a cabeça baixa e coberta com um trapo imundo, concentro-me em escutar os galos, quantos são, se estão numa gaiola ou no galinheiro. Meu pai criava galos de briga e, como não tinha com quem me deixar, me levava às rinhas. Das primeiras vezes, eu chorava ao ver o galinho desnorteado na arena, e ele ria e me chamava de mulherzinha.
À noite, galos gigantes, vampiros, devoravam minhas tripas, eu gritava, e ele vinha à minha cama e voltava a me chamar de mulherzinha.
Vamos lá, não seja tão mulherzinha. São galos, caralho.
Depois eu já não chorava ao ver as tripas quentes do galo perdedor se misturando ao pó. Era eu quem recolhia aquela bola de penas e vísceras e a levava à lata de lixo. Eu lhes dizia: adeus, galinho, seja feliz no céu onde há milhares de minhocas e campo e milho e famílias que amam os galinhos. No caminho, algum criador de galo sempre me dava uma bala ou uma moeda para que eu o deixasse me tocar ou beijar, ou que eu o tocasse e beijasse. Eu tinha medo de que, se dissesse isso ao meu pai, ele voltasse a me chamar de mulherzinha.
Vamos lá, não seja tão mulherzinha. São criadores, caralho.
Certa noite, a barriga de um galo estourou enquanto eu o carregava nos braços como se fosse uma boneca, e descobri que aqueles homens tão machos que gritavam e atiçavam para que um galo rasgasse o outro de cima a baixo tinham nojo da merda, do sangue e das vísceras do galo morto. Assim, eu passava essa mistura nas mãos, nos joelhos e no rosto, e eles pararam de me importunar com beijos e outras idiotices.
Diziam ao meu pai:
Sua filha é um monstro.
E ele respondia que mais monstros eram eles, e depois brindavam tilintando seus copinhos de bebida.
Mais monstro é você. Saúde.
O cheiro dentro de um rinhadeiro é asqueroso. Às vezes, eu acabava adormecendo num canto, sob as arquibancadas, e despertava com algum daqueles homens olhando para minha calcinha sob o uniforme do colégio. Por isso, antes de adormecer, eu enfiava a cabeça de um galo entre as pernas. Uma ou muitas. Um cinto de cabeças de galinhos. Levantar uma saia e encontrar cabecinhas arrancadas também não agradava aos machos.
Às vezes, meu pai me acordava para que eu limpasse a sujeira de outro galo destripado. Às vezes, ele mesmo ia e os amigos lhe perguntavam para que merda servia a menina, se ele era um veadinho. Ele ia embora com o galo desventrado jorrando sangue. Da porta, soprava-lhes um beijo. Os amigos riam.
Sei que em algum lugar perto daqui há galos, pois eu reconheceria esse cheiro a milhares de quilômetros. O cheiro de minha vida, o cheiro de meu pai. Cheira a sangue, a homem, a sujeira, a bebida barata, a suor acre e a graxa industrial. Não é preciso ser muito inteligente para saber que este é um lugar clandestino, um local perdido no meio do nada, e que eu estou muito, mas muito fodida.
Um homem está falando. Deve ter uns quarenta anos. Eu o imagino gordo, careca e sujo, com camiseta regata branca, shorts e chinelos de borracha, imagino as unhas do mindinho e do polegar compridas. Fala no plural. Aqui há mais pessoas além de mim. Aqui há mais gente de joelhos, com a cabeça baixa, coberta por esse asqueroso pano escuro.
É isso aí, vamos nos acalmando, que o primeiro filho da puta que fizer um barulhinho, eu meto um tiro na cabeça. Se todos colaborarem, todos vão sair inteiros daqui esta noite.
Sinto sua barriga contra minha cabeça e depois o cano da pistola. Não, não está brincando.
Uma garota chora alguns metros à minha direita. Acho que não suportou sentir a pistola na têmpora. Escuta-se uma bofetada.
É isso aí, rainha. Aqui ninguém chora, você escutou? Ou já está com pressa pra ir cumprimentar papai do céu?
Depois, o gordo da pistola se afasta um pouco. Foi falar ao telefone. Diz um número: seis, seis infelizes. Diz também, seleção muito boa, boa demais, a melhor em meses. Diz que é imperdível. Faz uma ligação atrás da outra. Por um instante, ele se esquece de nós.
Ao meu lado, escuto uma tosse abafada pelo pano, uma tosse de homem.
Ouvi falar disso — ele diz, bem baixinho. — Pensei que era mentira, uma lenda. Chamam-se leilões. Os taxistas escolhem passageiros que acreditam que possam render um bom dinheiro e para isso os sequestram. Depois os compradores vêm e escolhem seus preferidos ou preferidas. E os levam embora. Ficam com suas coisas, obrigam-nos a roubar, a abrir suas casas para eles, a dar-lhes seu número de cartão de crédito. E as mulheres. As mulheres.
O quê? — pergunto.
Ele percebe que sou mulher. Fica calado.
A primeira coisa que eu pensei quando entrei no táxi esta noite foi finalmente. Apoiei a cabeça no banco e fechei os olhos. Tinha bebido algumas taças e estava muito triste. No bar, havia encontrado o homem pelo qual eu tinha de fingir amizade. Ele e a mulher dele. Sempre finjo, sou boa fingindo. Mas quando entrei no táxi, suspirei e disse a mim mesma que alívio, vou para casa, para me acabar de chorar. Acho que adormeci por um momento e, de repente, ao abrir os olhos, estava numa cidade desconhecida. Um polígono. Vazio. Escuridão. O alerta que faz o cérebro ferver: sua vida acabou de entrar pelo cano.
O taxista sacou uma arma, olhou nos meus olhos, disse com uma amabilidade ridícula:
Chegamos ao seu destino, senhorita.
O que aconteceu em seguida foi rápido. Alguém abriu a porta antes que eu pudesse trancá-la, enfiou um saco na minha cabeça, amarrou minhas mãos e me enfiou nessa espécie de garagem com cheiro de rinhadeiro podre, obrigando-me a ficar ajoelhada num canto.
Escutam-se conversas. O gordo e mais alguém, e depois outro e outro. Chega gente. Ouvem-se risos e cervejas sendo abertas. O cheiro de maconha começa a se espalhar, e alguma outra dessas merdas com cheiro ácido. O homem que está ao meu lado faz tempo que já não me diz para ficar tranquila. Deve estar falando isso a si mesmo.
Antes, ele havia mencionado que tinha um bebê de oito meses e um menino de três. Deve estar pensando neles. E nesses sujeitos drogados entrando no condomínio fechado em que ele mora. Sim, deve estar pensando isso. Nele cumprimentando o vigia noturno, como faz todas as noites desde que seu carro está na oficina, enquanto aqueles animais estão no banco de trás, agachados. Ele vai enfiá-los em sua casa, onde está sua bela mulher, seu bebê de oito meses e seu menino de três anos. Ele vai levá-los para dentro de sua casa.
E não há nada que ele possa fazer quanto a isso.
Mais à frente, à direita, ouvem-se murmúrios, uma garota que chora, não sei se a mesma que chorou antes. O gordo atira e todos nós nos jogamos no chão, como podemos. Não atirou em nós, só atirou. Dá na mesma, o terror nos transpassou. Escuta-se a risada do gordo e de seus companheiros. Eles se aproximam, levam-nos para o centro da sala.
Bem, senhores, senhoras, está aberto o leilão desta noite. Bem lindos, bem comportadinhos, vocês vão ficar aqui. Mais pra cá, minha rainha. Iiiisso. Sem medo, linda, que eu não mordo. Assim está bom. Esses cavalheiros vão escolher qual de vocês vão levar. As regras, cavalheiros, são as de sempre: quem dá mais dinheiro leva a melhor mercadoria. As armas, deixem aqui enquanto o leilão durar, eu vou guardá-las. Obrigado. Como sempre, é um prazer receber vocês.
O gordo vai nos apresentando como se dirigisse um programa de televisão. Não podemos vê-los, mas sabemos que há ladrões nos olhando, escolhendo-nos. E estupradores. Com certeza há estupradores. E assassinos. Talvez haja assassinos. Ou alguma coisa pior.
Daaaaamas e cavalheeeeiros.
O gordo não gosta dos que choramingam nem dos que dizem que têm filhos nem dos que gritam desesperados você não sabe com quem está se metendo. Não. Gosta menos ainda dos que ameaçam dizendo que ele vai apodrecer na cadeia. Todos esses, mulheres e homens, já receberam pontapés na barriga. Escutei pessoas caindo no chão, sem ar. Eu me concentro nos galos. Talvez não exista nenhum galo. Mas eu os escuto. Dentro de mim. Galos e homens. Vamos lá, não seja tão mulherzinha, são criadores, caralho.
Esse senhor, como se chama nosso primeiro participante? Como? Fale alto, amigo. Ricardooooooo, bem-vindooooooo, tem um relógio de marca e tênis Adidas dos booooons. Ricardooooo deve ter dinheirooooooo. Vamos ver a carteira do Ricardo. Cartões de crédito, ohhhhhh, Visa Gooooold.
O gordo faz piadas ruins.
Começam a dar lances por Ricardo. Um oferece trezentos, outro oitocentos. O gordo acrescenta que Ricardo vive num condomínio fechado longe da cidade: Vistas do Rio.
Ali onde nós, os pobretões, não podemos nem chegar perto. Ali é que mora o amigo Riquinho. Posso te chamar de Riquinho, não posso? Como o Riquinho Rico.
Uma voz horripilante diz cinco mil. A voz horripilante leva Ricardo. Os outros aplaudem.
Vendido ao cavalheiro de bigode por cinco mil!
Nancy, uma garota que fala com um fio de voz, é tocada pelo gordo. Sei disso porque ele diz olhem que tetas, que lindas, que durinhas, que biquinhos e faz som de chupada, e essas coisas não são ditas sem tocar, e além disso, o que o impede de tocá-la, quem? Nancy parece jovem. Vinte e poucos. Talvez seja enfermeira ou professora. O gordo tira a roupa de Nancy. Escutamos que abre seu cinto e os botões e que arranca sua roupa íntima, embora ela diga por favor tantas vezes e com tanto medo que todos encharcamos nossos trapos imundos com lágrimas. Olhem esse cuzinho. Ai, que coisinha. O gordo chupa Nancy, o ânus de Nancy. Escutam-se lambidelas. Os homens atiçam, rugem, aplaudem. Depois, o investir de carne contra carne. E os urros. Os urros.
Cavalheiros, não faço isso por depravação. É controle de qualidade. Dou um dez pra ela. É só dar um trato nela e nossa amiguinha Nancy fica uma delícia.
Deve ser linda porque oferecem, na hora, dois mil, três, três e quinhentos. Vendem Nancy por três e quinhentos. O sexo é mais barato que o dinheiro.
E o sortudo que leva esse cuzinho delicioso é o cavalheiro do anel de ouro e do crucifixo.
Vão nos vendendo um por um. Do sujeito que estava ao meu lado, o do bebê de oito meses e o menino de três, o gordo conseguiu tirar toda informação possível e agora ele é um peixe muito graúdo para o leilão: dinheiro em várias contas, alto executivo, filho de um empresário, obras de arte, filhos, mulher. O cara é o bilhete premiado. Com certeza vão sequestrá-lo e pedir um resgate. Os lances começam em cinco mil. Sobem até dez, quinze mil. Vão até vinte. Alguém com quem ninguém quer se meter ofereceu os vinte. Uma voz nova. Veio apenas para isso. Não estava ali para perder tempo com bobagens.
O gordo não faz nenhum comentário.
Quando chega minha vez, penso nos galos. Fecho os olhos e abro os esfíncteres. Isso é a coisa mais importante que vou fazer na vida, então vou fazê-la bem. Encharco minhas pernas, os pés, o chão. Estou no centro de uma sala, rodeada por delinquentes, exibida diante deles como gado, e como gado esvazio meu ventre. Como posso, esfrego uma perna contra a outra, adoto a posição de uma boneca estripada. Grito como louca. Agito a cabeça, balbucio obscenidades, palavras inventadas, as coisas que eu dizia aos galos, do céu com milho e minhocas infinitas. Sei que o gordo está a ponto de atirar em mim.
Em vez disso, arrebenta minha boca com um tapa, minha língua se divide em duas com uma mordida. O sangue começa a me cair pelo peito, a descer por minha barriga, a se misturar com a merda e a urina. Começo a rir, desvairada, a rir, a rir, a rir.
O gordo não sabe o que fazer.
Quanto dão por esse monstro?
Ninguém quer dar nada.
O gordo oferece meu relógio, meu celular, minha carteira. Tudo é barato, falsificado. Pega em meus seios para ver se a coisa se anima e eu guincho.
Quinze, vinte?
Mas nada, ninguém.
Jogam-me num pátio. Encharcam-me com uma mangueira de lavar automóveis e depois me enfiam num carro que me deixa toda molhada, descalça, aturdida, na rodovia Perimetral.

María Fernanda Ampuero, in Rinhas de galos

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