segunda-feira, 28 de março de 2022

Três tesouros perdidos

Uma tarde, eram quatro horas, o sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite que levava não o fez reparar em um cabriolé que estava parado à sua porta. Entrou, subiu a escada, penetra na sala e... dá com os olhos em um homem que passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.
Cumprimentou-o polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada diz-lhe:
Senhor, eu sou F..., marido da senhora dona E...
Estimo muito conhecê-lo responde o sr. X...; mas não tenho a honra de conhecer a senhora dona E...
Não a conhece! Não a conhece!... quer juntar a zombaria à infâmia?
Senhor!...
E o sr. X... deu um passo para ele.
Alto lá!
O sr. F..., tirando do bolso uma pistola, continuou:
Ou o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão!
Mas, senhor disse o sr. X..., a quem a eloquência do sr. F... tinha produzido um certo efeito, que motivo tem o senhor?...
Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha mulher?
A corte à sua mulher! não compreendo!
Não compreende! oh! não me faça perder a estribeira.
Creio que se engana...
Enganar-me! É boa!... mas eu o vi... sair duas vezes de minha casa...
Sua casa!
No Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...
Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...
Não; não; é o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo, que ressalta de toda a sua cara? Vamos, ou deixar a cidade, ou morrer... Escolha!
Era um dilema. O sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola. Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.
Surgiu, porém, uma objeção.
Mas, senhor — disse ele —, os meus recursos...
Os seus recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.
E tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:
Aqui tem dous contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta imediatamente. Para onde vai?
Para Minas.
Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdoo-lhe, mas não volte a esta corte... Boa viagem!
Dizendo isto, o sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que desapareceu em uma nuvem de poeira.
O sr. X... ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dous contos de réis, e a realização de um dos seus mais caros sonhos. Jantou tranquilamente, e daí a uma hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa apenas um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu destino.
No dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o sr. F... para a sua chácara de Andaraí, pois tinha passado a noite fora.
Entrou, penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:
Meu caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P... Vou para a Europa. Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. — Tua E...”
Desesperado, fora de si, o sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido às oito horas.
Era P... que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os dous contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do sr. X..., subiu; apareceu o moleque.
Teu senhor?
Partiu para Minas.
O sr. F... desmaiou.
Quando deu acordo de si estava louco... louco varrido!
Hoje, quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:
Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda carteira cheia de encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as algibeiras!
Neste último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.

Machado de Assis, in A Marmota, 5 de janeiro de 1858

Nenhum comentário:

Postar um comentário