quinta-feira, 10 de março de 2022

A garota no rio


Perto das margens do Blue River havia um carvalho onde meu pai costumava parar para descansar. A árvore estendia seus galhos fornecendo uma boa sombra, e ao redor da sua base havia um musgo verde, fresco e macio, onde ele apoiava a cabeça e às vezes dormia, embalado pelos sons suaves do rio. Era lá que ele estava um dia, começando a sonhar, quando acordou e viu uma linda jovem se banhando. Seu cabelo comprido brilhava como ouro e caía em cachos sobre os ombros nus. Seus seios eram pequenos e redondos. Enchendo as mãos em concha de água fresca, ela a deixava cair sobre o rosto, o peito, e de volta no rio.
Edward tentou permanecer calmo. Ficou dizendo a si mesmo: Não se mexa. Se você se mexer um centímetro, ela o verá. Ele não queria assustá-la. E, honestamente, nunca tinha visto uma mulher em estado natural antes, e queria examiná-la mais um pouco antes que ela fosse embora.
Foi quando ele viu a cobra. Uma víbora d’água, tinha que ser. Abrindo caminho na água em direção a ela, com sua cabeça reptiliana pronta para o bote. Difícil imaginar que uma cobra daquele tamanho pudesse matar você, mas podia. Uma cobra daquelas matou Calvin Bryant. Ela o mordeu no calcanhar e segundos depois ele estava morto. Calvin Bryant era duas vezes maior do que ela.
Então não havia realmente uma decisão a ser tomada. Meu pai confiou no instinto e mergulhou de cabeça no rio, com as mãos estendidas, no momento em que a víbora estava pronta para cravar suas duas presas na cinturinha dela. Ela gritou, é claro. Um homem vindo na sua direção, mergulhando na água — pode apostar que ela gritou. E ele saiu da água com a serpente se contorcendo em suas mãos, a boca procurando alguém para morder, e ela tornou a gritar. Finalmente, ele conseguiu embrulhar a serpente na camisa. Meu pai não gostava de matar. Ele a levaria para um amigo que colecionava cobras.
Mas imaginem a cena: um rapaz e uma moça, mergulhados até a cintura no Blue River, sem camisa, um olhando para o outro. O sol penetrando pela copa das árvores, refletindo na água. Mas os dois quase inteiramente na sombra. Um estudando o outro. Tudo silencioso, exceto pelos ruídos da natureza ao redor deles. Difícil falar agora, porque o que se poderia dizer? Meu nome é Edward, e o seu? Você não diz isso. Você diz o que ela disse, assim que conseguiu recuperar a voz.
Você salvou minha vida.
E ele tinha salvado mesmo. Ela estava prestes a ser mordida por uma cobra venenosa e ele a tinha salvado. Tinha arriscado a própria vida para fazer isso. Embora nenhum dos dois mencionasse o fato. Não precisavam. Os dois sabiam.
Você é corajoso — ela disse.
Não senhora — respondeu, embora ela não pudesse ser muito mais velha do que ele. — Apenas vi você, e vi a cobra, e... pulei.
Como é seu nome?
Edward — ele disse.
Ok, Edward. De agora em diante este é o seu lugar. Vamos chamá-lo de... Bosque do Edward. A árvore, esta parte do rio, esta água, tudo: E sempre que você não estiver se sentindo bem ou quiser que algo aconteça, venha até aqui e descanse, e pense sobre isto.
Ok — ele disse, mas teria dito “ok” para quase tudo naquele momento. Embora estivesse acima d’água, sua cabeça estava flutuando. Ele sentia como se tivesse deixado este mundo por um breve tempo. E ainda não tivesse voltado.
Ela sorriu.
Agora vire de costas para eu me vestir.
Ok.
E ele se virou, com uma sensação tão boa que era quase intolerável. Tão boa que ele mal conseguia suportá-la. Como se ele tivesse sido recriado, numa versão melhor de si mesmo.
Ele não sabia quanto tempo uma mulher levava para se vestir, então esperou cinco minutos. Quando tornou a se virar, é claro que ela tinha ido embora — desaparecido. Ele não ouvira nada, mas ela havia ido embora. Ele poderia ter chamado por ela — gostaria de chamá-la —, mas não sabia como chamar. Desejou ter perguntado antes.
O vento soprava através dos galhos do carvalho, a água seguia seu curso. E ela havia ido embora. E na sua camisa não havia nenhuma cobra, só um pauzinho. Um pauzinho marrom.
Mas se parecia com uma cobra. Especialmente quando ele o atirou no rio e o viu ir embora.

Daniel Wallace, in Peixe Grande

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