sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Neuroses sexuais e medo de pássaros


Se o espectador de Cenas de um Casamento, de Bergman, achou o filme lento e cansativo, deve dar-se por feliz. Pois em uma entrevista, Bergman confessa:
O meu sonho seria poder fazer um longa-metragem num único plano; poder manter o interesse à volta de um rosto durante hora e meia ou duas horas.
Para sorte do público, o projeto não passou de sonho.
Quem acompanha os filmes de Bergman já deve ter notado uma constante. O relacionamento sexual entre os personagens é sempre traumático, doloroso, impossível. Em uma entrevista publicada em L’Express, em 64, diz o cineasta:
Durante muito tempo fui tímido e convencional na expressão do amor físico no cinema. Há aspectos excitantes em uma bela manhã de verão e no ato sexual; creio ter encontrado a forma cinematográfica para exprimir um, mas o outro não. Assim é que as dificuldades do amor me interessam antes de tudo, me parecem mais importantes que o prazer. E depois, o ato sexual propriamente dito, em sua representação bruta, c desagradável em 80%.
Se o ato sexual é desagradável para Ingmar Bergman, entendemos então o fracasso de seus cinco casamentos. Como também a incomunicabilidade sexual de seus personagens. E entendemos também os conflitos de Cenas de um Casamento, isto é, Cenas de meus Casamentos.
A psicanálise está na moda em nossa época. O homem urbano e conflitado — quando tem dinheiro, bem entendido — adora pagar um analista para ouvir suas angústias. Bergman encontrou melhor caminho. Cobra dos que o ouvem.
Já que falamos em psicanalistas, esses senhores que no menor gesto vêem um significado abissal, proponho aos ditos um tema para análise. Em Persona e Hora do Lobo, as personagens se chamam, respectivamente, Alma e Elisabeth Vogler, e Alma e Verônica Vogler. O nome Vogler evoca a palavra sueca fagel (pronuncia-se fôguel), pássaro. Bergman tem consciência disto e acrescenta:
Os pássaros sempre tiveram para mim algo de demoníaco, de misterioso e de perigoso. Tenho e sempre tive medo dos pássaros. Desde a minha infância. Se um pássaro entra numa sala onde me encontro, abandono o local terrificado. Depois o pobre pássaro desembaraça-se o melhor que pode. No melhor dos casos pode ser que abra a janela. No verão passado aconteceu que alguns pássaros bateram contra as vidraças da casa onde me encontrava, em Faro. Uma das salas é envidraçada dos dois lados e, estando as janelas iluminadas, os pássaros em voo esbarravam nos vidros e caíam no solo. Mas eu nunca me teria aproximado para lhes tocar. Não ousaria fazê-lo. Há demasiado tempo que os receio. Apenas os pássaros me provocam esse efeito. Sou perfeitamente incapaz de lhe descobrir o motivo.

Janer Cristaldo, in A Força dos Mitos

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