Se
o espectador de Cenas de um Casamento, de Bergman, achou o
filme lento e cansativo, deve dar-se por feliz. Pois em uma
entrevista, Bergman confessa:
— O
meu sonho seria poder fazer um longa-metragem num único plano; poder
manter o interesse à volta de um rosto durante hora e meia ou duas
horas.
Para
sorte do público, o projeto não passou de sonho.
Quem
acompanha os filmes de Bergman já deve ter notado uma constante. O
relacionamento sexual entre os personagens é sempre traumático,
doloroso, impossível. Em uma entrevista publicada em L’Express,
em 64, diz o cineasta:
— Durante
muito tempo fui tímido e convencional na expressão do amor físico
no cinema. Há aspectos excitantes em uma bela manhã de verão e no
ato sexual; creio ter encontrado a forma cinematográfica para
exprimir um, mas o outro não. Assim é que as dificuldades do amor
me interessam antes de tudo, me parecem mais importantes que o
prazer. E depois, o ato sexual propriamente dito, em sua
representação bruta, c desagradável em 80%.
Se
o ato sexual é desagradável para Ingmar Bergman, entendemos então
o fracasso de seus cinco casamentos. Como também a
incomunicabilidade sexual de seus personagens. E entendemos também
os conflitos de Cenas de um Casamento, isto é, Cenas de meus
Casamentos.
A
psicanálise está na moda em nossa época. O homem urbano e
conflitado — quando tem dinheiro, bem entendido — adora pagar um
analista para ouvir suas angústias. Bergman encontrou melhor
caminho. Cobra dos que o ouvem.
Já
que falamos em psicanalistas, esses senhores que no menor gesto vêem
um significado abissal, proponho aos ditos um tema para análise. Em
Persona e Hora do Lobo, as personagens se chamam,
respectivamente, Alma e Elisabeth Vogler, e Alma e Verônica Vogler.
O nome Vogler evoca a palavra sueca fagel (pronuncia-se
fôguel), pássaro. Bergman tem consciência disto e acrescenta:
— Os
pássaros sempre tiveram para mim algo de demoníaco, de misterioso e
de perigoso. Tenho e sempre tive medo dos pássaros. Desde a minha
infância. Se um pássaro entra numa sala onde me encontro, abandono
o local terrificado. Depois o pobre pássaro desembaraça-se o melhor
que pode. No melhor dos casos pode ser que abra a janela. No verão
passado aconteceu que alguns pássaros bateram contra as vidraças da
casa onde me encontrava, em Faro. Uma das salas é envidraçada dos
dois lados e, estando as janelas iluminadas, os pássaros em voo
esbarravam nos vidros e caíam no solo. Mas eu nunca me teria
aproximado para lhes tocar. Não ousaria fazê-lo. Há demasiado
tempo que os receio. Apenas os pássaros me provocam esse efeito. Sou
perfeitamente incapaz de lhe descobrir o motivo.
Janer Cristaldo, in A Força dos Mitos
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