Escutar
conversa alheia não é o meu hobby, mas se as palavras entram pelos
ouvidos da gente sem pedir licença, que remédio senão escutá-las?
No restaurante, em mesa quase encostada à minha, jantavam dois
rapazes de pouco mais de vinte anos, vestidos e penteados com esmero
(apenas o cabelo um pouco longo), e mantinham o diálogo que
reproduzo com possível fidelidade:
— Quanto
a isso não há dúvida, meu caro. Cheguei à conclusão de que temos
de promover uma política inteligente de especialização setorial.
— É
óbvio, mas você não acha que cumpre ao mesmo tempo equacionar o
grave estrangulamento do setor externo?
O
primeiro concentrou-se, antes de responder:
— Ora,
essa meta não oferece percalços, uma vez que se alcance a médio
prazo — eu disse a médio prazo — a dinamização de nossas
rendas nos mercados forâneos. Correto?
— Mas
qual a processualística? Pela fixação de tetos permissíveis?
— Talvez.
Penso antes no escalonamento gradativo do aporte de recursos.
O
outro ponderou, mansamente:
— Mas
você precisa ter em mente a factibilidade das expansões projetadas…
— E
não tenho? Nunca perdi de vista o aspecto conjuntural, meu velho.
— Outra
coisa. Se não cogitarmos também, em escala prioritária, dos
suportes de infraestrutura, já se sabe: nada feito.
— Lá
isso é verdade. Quer dizer, em termos. Neste caso, que é que você
pretende: que se monte um esquema preferencial?
— Bom,
depende. Em última análise, não me parece que se deva imprimir
demasiada ênfase à reformulação da estrutura organizacional, mas,
por outro lado, levando em conta determinadas circunstâncias
sazonais…
— Compreendi.
De qualquer forma, há esse problema da capacidade redimensionada
para prover as futuras necessidades de expansão. Correto?
— Correto.
É como eu costumo esclarecer lá no Centro de Investigações
Socioeconômicas de Alto Nível: tudo depende do desempenho do setor
de produção, a menos que…
— Já
sei. A menos que o processo de decomposição do setor…
— Não.
Quanto a este tópico, não estamos absolutamente em consonância. No
caso especial — e você bem sabe como ele é especial — da
maximização das receitas cambiais…
— Lá
vem você com maximização! Que é isso, filho. Você, ao contrário,
minimiza a evidência de que é necessário atuar ao nível de
projeto, tendo em perspectiva, por exemplo, os bons frutos do café
flexível.
— Ah,
é? E você, que em suas análises coloca em segundo plano a
inelasticidade das demandas de café? Você nega, faça o favor de me
dizer, você nega a distorção gradualista na comparação de
preços?
— Calma,
não vamos entrar em conflito teórico e muito menos factual. Afinal
de contas, convenhamos, tudo resulta, às vezes, do comportamento de
equipamentos periféricos de processamento de dados, que nos induzem
a postulações suscetíveis de revisão.
— Nisso
eu concordo com você. Operacionalmente…
— Não
é segredo para ninguém, na área informacional, que eu vivo me
empenhando pela elevação do conteúdo tecnológico.
— Nem
eu digo o contrário, fique certo disto. Porém, o relacionamento…
— Espere
um pouco. Antes que me esqueça, há um ponto nodal: a sistemática
da arrecadação, integrada na problemática geral de uma política
agressiva de utilização de recursos geotécnico-sócio-humanos, a
serviço da globalização do esforço geracional total. Simples,
como vê.
— Muito.
Eu dirigiria o enfoque para a capacidade subutilizada desse esforço.
— Perfeito.
Vamos ao melão com presunto?
— O.k.
Ao melão com presunto.
Não
se deve escutar conversa dos outros, mas aprende-se muito escutando
conversa dos outros. Mormente de economistas.
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
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