O desfolhamento no outono e o nascimento
dos brotos na primavera são processos naturais das florestas, mas ao
mesmo tempo verdadeiros milagres, pois para realizá-los as árvores
precisam de algo imprescindível: noção de tempo. Como elas sabem
que o inverno chegou ou que um aumento de temperatura não é uma
curta estiagem numa estação fria, mas o prenúncio da primavera?
Parece lógico que o aumento da
temperatura serve de gatilho para o nascimento das folhas, pois a
água congelada dentro do tronco derrete e pode voltar a fluir. No
entanto, o surpreendente é que quanto mais frio o inverno, mais cedo
os brotos começam a nascer. Pesquisadores da Universidade Técnica
de Munique investigaram esse processo em um laboratório com
temperatura controlada.43 Descobriram, por exemplo, que quanto mais
quente o inverno, mais tarde os galhos da faia ficam verdes – o
que, à primeira vista, parece ilógico, pois muitas outras plantas
(por exemplo, as rasteiras) começam a crescer e até a florescer
ainda no auge do inverno. Talvez elas precisem do frio para ter uma
hibernação revigorante e por isso não despertam no momento correto
na primavera. Em tempos de mudança climática, isso é uma
desvantagem, pois outras espécies menos cansadas formam sua folhagem
antes e largam na dianteira.
É normal que mesmo nos invernos mais
quentes carvalhos e faias não produzam folhagem verde. Mas como
essas árvores sabem que ainda não é hora de formar brotos? As
árvores frutíferas nos dão uma pista para desvendar esse mistério:
acontece que as árvores sabem contar. Elas só consideram que a
primavera de fato chegou quando o número de dias quentes ultrapassa
determinado limite.44 Portanto, por si sós os dias quentes não
anunciam a primavera.
Além disso, a queda e a formação das
folhas não dependem apenas da temperatura, mas também da duração
do dia. A faia, por exemplo, só começa a brotar quando há pelo
menos 13 horas de claridade. Essa informação é surpreendente, pois
para fazer essa conta as árvores precisariam ser capazes de
enxergar. E o primeiro lugar no qual devemos procurar esses “olhos”
são as folhas – que contam com uma espécie de célula solar que
as equipa para captar ondas luminosas. E elas de fato captam a luz
solar no verão. No entanto, durante parte da primavera os galhos
ainda não têm folhas. Portanto, ainda não há uma explicação
para esse fenômeno, mas em tese os brotos ainda não nascidos contam
com essa capacidade. Dentro deles há folhas dobradas, e eles são
recobertos com escamas marrons para impedir que ressequem. Quando o
broto sair, segure-o contra a luz e observe as escamas com atenção:
elas são translúcidas. Provavelmente basta elas captarem uma
quantidade mínima de luz para registrar a duração do dia, como se
sabe pela análise das sementes de muitas plantas daninhas, que só
precisam do brilho tênue do luar para germinar. O tronco da árvore
também pode registrar a luz. Na casca da maioria das espécies há
brotos minúsculos, que permanecem adormecidos. Assim que o tronco
vizinho é derrubado, o aumento da incidência de luz desencadeia a
abertura desses brotos, para que a árvore possa captar a luz
adicional.
Como as árvores percebem que os dias
quentes são do fim da primavera, e não do verão? Nesse caso, é a
combinação de duração do dia e temperatura que desencadeia a
reação correta. As árvores são capazes de interpretar o aumento
da temperatura como a primavera e a queda como o outono. É por isso
que espécies como o carvalho e a faia, típicas do hemisfério
Norte, se adaptam ao hemisfério Sul. E isso comprova outra coisa: as
árvores devem ter memória. Do contrário, como poderiam estabelecer
uma comparação? Como conseguiriam contar os dias quentes?
Em anos especialmente quentes, com
temperaturas altas no outono, algumas árvores perdem a noção do
tempo. Seus brotos surgem no outono, e alguns espécimes até
produzem folhas. Esse lapso pode prejudicar o broto quando chegam
geadas tardias. O tecido dos galhos novos ainda não se lignificou
(não se transformou em madeira dura para suportar o inverno), e a
folhagem verde está indefesa, por isso congela. E o pior: os botões
da primavera seguinte morrem, por isso a árvore precisa criar
substitutos, um processo no qual gasta bastante energia. Ou seja, a
árvore desatenta gasta todas as suas energias e começa a estação
seguinte em desvantagem.
No entanto, as árvores precisam ter
noção de tempo não apenas para a folhagem. Esse conhecimento é
igualmente importante para a procriação. Se a semente cair no solo
durante o outono, não conseguirá germinar de imediato, pois
enfrentará dois problemas: por um lado, as mudas sensíveis não
conseguem lignificar e acabam congelando. Por outro, no inverno
cervos e corças quase não encontram o que comer, por isso atacam os
brotos verdes e frescos. O ideal é que nasçam na primavera, com
todas as outras espécies. Logo, pode-se concluir que as sementes
registram mudanças de temperatura, e seus brotos só se atrevem a
sair da casca quando há períodos de calor prolongados após o frio.
Muitas sementes não precisam de um
mecanismo de contagem tão sofisticado para fazer as folhas brotarem.
É o caso dos frutos da faia e do carvalho, que são enterrados por
gaios e esquilos a alguns centímetros de profundidade no solo.
Debaixo da terra o aumento de temperatura só se intensifica quando a
primavera chega de vez. As sementes mais leves, como as de bétula,
precisam tomar mais cuidado, pois com suas asinhas elas podem ser
carregadas pelo vento. Se caírem debaixo da árvore-mãe, não
haverá problema, pois ficarão protegidas. No entanto, se um vento
as carregar, elas poderão ficar expostas à luz solar direta, e,
como as árvores adultas, precisarão registrar a duração dos dias
e aguardar o momento certo de se desenvolver.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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