sábado, 25 de dezembro de 2021

Noção de tempo

O desfolhamento no outono e o nascimento dos brotos na primavera são processos naturais das florestas, mas ao mesmo tempo verdadeiros milagres, pois para realizá-los as árvores precisam de algo imprescindível: noção de tempo. Como elas sabem que o inverno chegou ou que um aumento de temperatura não é uma curta estiagem numa estação fria, mas o prenúncio da primavera?
Parece lógico que o aumento da temperatura serve de gatilho para o nascimento das folhas, pois a água congelada dentro do tronco derrete e pode voltar a fluir. No entanto, o surpreendente é que quanto mais frio o inverno, mais cedo os brotos começam a nascer. Pesquisadores da Universidade Técnica de Munique investigaram esse processo em um laboratório com temperatura controlada.43 Descobriram, por exemplo, que quanto mais quente o inverno, mais tarde os galhos da faia ficam verdes – o que, à primeira vista, parece ilógico, pois muitas outras plantas (por exemplo, as rasteiras) começam a crescer e até a florescer ainda no auge do inverno. Talvez elas precisem do frio para ter uma hibernação revigorante e por isso não despertam no momento correto na primavera. Em tempos de mudança climática, isso é uma desvantagem, pois outras espécies menos cansadas formam sua folhagem antes e largam na dianteira.
É normal que mesmo nos invernos mais quentes carvalhos e faias não produzam folhagem verde. Mas como essas árvores sabem que ainda não é hora de formar brotos? As árvores frutíferas nos dão uma pista para desvendar esse mistério: acontece que as árvores sabem contar. Elas só consideram que a primavera de fato chegou quando o número de dias quentes ultrapassa determinado limite.44 Portanto, por si sós os dias quentes não anunciam a primavera.
Além disso, a queda e a formação das folhas não dependem apenas da temperatura, mas também da duração do dia. A faia, por exemplo, só começa a brotar quando há pelo menos 13 horas de claridade. Essa informação é surpreendente, pois para fazer essa conta as árvores precisariam ser capazes de enxergar. E o primeiro lugar no qual devemos procurar esses “olhos” são as folhas – que contam com uma espécie de célula solar que as equipa para captar ondas luminosas. E elas de fato captam a luz solar no verão. No entanto, durante parte da primavera os galhos ainda não têm folhas. Portanto, ainda não há uma explicação para esse fenômeno, mas em tese os brotos ainda não nascidos contam com essa capacidade. Dentro deles há folhas dobradas, e eles são recobertos com escamas marrons para impedir que ressequem. Quando o broto sair, segure-o contra a luz e observe as escamas com atenção: elas são translúcidas. Provavelmente basta elas captarem uma quantidade mínima de luz para registrar a duração do dia, como se sabe pela análise das sementes de muitas plantas daninhas, que só precisam do brilho tênue do luar para germinar. O tronco da árvore também pode registrar a luz. Na casca da maioria das espécies há brotos minúsculos, que permanecem adormecidos. Assim que o tronco vizinho é derrubado, o aumento da incidência de luz desencadeia a abertura desses brotos, para que a árvore possa captar a luz adicional.
Como as árvores percebem que os dias quentes são do fim da primavera, e não do verão? Nesse caso, é a combinação de duração do dia e temperatura que desencadeia a reação correta. As árvores são capazes de interpretar o aumento da temperatura como a primavera e a queda como o outono. É por isso que espécies como o carvalho e a faia, típicas do hemisfério Norte, se adaptam ao hemisfério Sul. E isso comprova outra coisa: as árvores devem ter memória. Do contrário, como poderiam estabelecer uma comparação? Como conseguiriam contar os dias quentes?
Em anos especialmente quentes, com temperaturas altas no outono, algumas árvores perdem a noção do tempo. Seus brotos surgem no outono, e alguns espécimes até produzem folhas. Esse lapso pode prejudicar o broto quando chegam geadas tardias. O tecido dos galhos novos ainda não se lignificou (não se transformou em madeira dura para suportar o inverno), e a folhagem verde está indefesa, por isso congela. E o pior: os botões da primavera seguinte morrem, por isso a árvore precisa criar substitutos, um processo no qual gasta bastante energia. Ou seja, a árvore desatenta gasta todas as suas energias e começa a estação seguinte em desvantagem.
No entanto, as árvores precisam ter noção de tempo não apenas para a folhagem. Esse conhecimento é igualmente importante para a procriação. Se a semente cair no solo durante o outono, não conseguirá germinar de imediato, pois enfrentará dois problemas: por um lado, as mudas sensíveis não conseguem lignificar e acabam congelando. Por outro, no inverno cervos e corças quase não encontram o que comer, por isso atacam os brotos verdes e frescos. O ideal é que nasçam na primavera, com todas as outras espécies. Logo, pode-se concluir que as sementes registram mudanças de temperatura, e seus brotos só se atrevem a sair da casca quando há períodos de calor prolongados após o frio.
Muitas sementes não precisam de um mecanismo de contagem tão sofisticado para fazer as folhas brotarem. É o caso dos frutos da faia e do carvalho, que são enterrados por gaios e esquilos a alguns centímetros de profundidade no solo. Debaixo da terra o aumento de temperatura só se intensifica quando a primavera chega de vez. As sementes mais leves, como as de bétula, precisam tomar mais cuidado, pois com suas asinhas elas podem ser carregadas pelo vento. Se caírem debaixo da árvore-mãe, não haverá problema, pois ficarão protegidas. No entanto, se um vento as carregar, elas poderão ficar expostas à luz solar direta, e, como as árvores adultas, precisarão registrar a duração dos dias e aguardar o momento certo de se desenvolver.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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