sábado, 25 de dezembro de 2021

Goro

não é de merecimento que falo
quando a repulsa salta da minha saliva
e meus braços abanam tentando
atenção
tentando um instante de escuta
diante da mesa de juízes e seus papéis
cortados a mão
não

jamais falaria de merecimento
ao ver o homem dormindo na esquina
o garoto descalço ao meio-dia
a criança dentro de mim gritando
esgoelada
não é sobre merecimento
todos os desfeitos do mundo
os tapetes que escondem a terra

não
sobre merecimento eu falaria
caso fosse noite e depois dia
e eu visse que tudo era bom
mas merecer é sentença
e o peso das letras enverga a coluna
andamos prostrados
muitas vezes
de joelhos

não
nunca será sobre recompensas
castigos resultados consequências
punições respostas reações
sobre dignidade sobre plantar
e colher

as sementes estão podres
e a barriga do solo não verte vida
não importa a paciência
ou quantas vezes se rega
a água está podre
não

e você ainda diz que há quem mereça
que o sacrifício o esforço o trabalho
árduo as tentativas a insistência
a não desistência a repetição o mantra
e que esses joelhos aí dobrados
eles ajudam eles têm significado
mas nada é de auxílio
estamos todos sós

não
eu nunca plantei flores ou espinhos
nunca mexi na areia com as mãos
porque não é de merecimento que falo
e eu saberia dizer
que eu não mereceria

porque é premiado quem tem o rosto
com as sobrancelhas no lugar
os dentes corroídos pelas bajulações
as manchas solares e de marte
masculinas
não

jamais direi qualquer coisa
que me faça merecer
porque tudo não passa de correnteza
e logo é parado na barragem.

Jarid Arraes

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