segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Ainda impossível

Respondi que eu gostaria mesmo era de poder um dia afinal escrever uma história que começasse assim: “Era uma vez...” Para crianças? Perguntaram. Não, para adultos mesmo, respondi já distraída, ocupada em lembrar-me de minhas primeiras histórias aos sete anos, todas começando com “era uma vez”. Eu as enviava para a página infantil das quintas-feiras no jornal de Recife, e nenhuma, mas nenhuma mesmo, foi jamais publicada. E mesmo então era fácil de ver por quê. Nenhuma contava propriamente uma história com os fatos necessários a uma história. Eu lia todas as que eles publicavam, e todas relatavam um acontecimento. Mas se eles eram teimosos, eu também.
Desde então, porém, eu havia mudado tanto, quem sabe agora já estava pronta para o verdadeiro “era uma vez”. Perguntei-me em seguida: e por que não começo? agora mesmo? Será simples, senti eu.
E comecei. No entanto, ao ter escrito a primeira frase, vi imediatamente que ainda me era impossível. Eu havia escrito: “Era uma vez um pássaro, meu Deus.”

Clarice Lispector, in Crônicas para jovens: de escrita e vida

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