Terceiro dia de aula. A professora é um
amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os
feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um
sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à
vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que
o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas
não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca… Todos ajudam.
— Aquele cabeludo ali, professora,
também ajuda?
— Aquele? É o iaque, um boi da Ásia
Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pelo se
fazem perucas bacaninhas. E a carne, dizem que é gostosa.
— Mas se serve de montaria, como é que
a gente vai comer ele?
— Bem, primeiro serve para uma coisa,
depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês
quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece
que é ótimo.
— Ele faz pincel, professora?
— Quem, o texugo? Não, só fornece o
pelo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando
crescer.
Arturzinho objetou que pretende usar
barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo,
uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a
utilidade do canguru:
— Bolsas, malas, maletas, tudo isso o
couro do canguru dá pra gente. Não falando na carne. Canguru é
utilíssimo.
— Vivo, fessora?
— A vicunha, que vocês estão vendo
aí, produz… produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra,
com o pelo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores etc.
— Depois a gente come a vicunha, né
fessora?
— Daniel, não é preciso comer todos
os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer…
— E a gente torna a cortar? Ela não
tem sossego, tadinha.
— Vejam agora como a zebra é camarada.
Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira,
de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?
— A carne também é listrada? —
pergunta que desencadeia riso geral.
— Não riam da Betty, ela é uma garota
que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra
no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não
deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pinguim? Este
vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer,
trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão
enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento — não
sabem o que é? O cocô do pinguim é um adubo maravilhoso: guano,
rico em nitrato. O óleo feito com a gordura do pinguim…
— A senhora disse que a gente deve
respeitar.
— Claro. Mas o óleo é bom.
— Do javali, professora, duvido que a
gente lucre alguma coisa.
— Pois lucra. O pelo dá escovas de
ótima qualidade.
— E o castor?
— Pois quando voltar a moda do chapéu
para homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta,
com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar um bom
exemplo.
— Eu, hem?
— Dos chifres do rinoceronte, Belá,
você pode encomendar um vaso raro para o living de sua casa. Do
couro da girafa, Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade,
deixando os pelos da cauda para Teresa fazer um bracelete genial. A
tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não
calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco
serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa… O biguá é
engraçado.
— Engraçado como?
— Apanha peixe pra gente.
— Apanha e entrega, professora?
— Não é bem assim. Você bota um anel
no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir.
Então você tira o peixe da goela do biguá.
— Bobo que ele é.
— Não. É útil. Ai de nós se não
fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que
eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito
nenhum. Entendeu, Ricardo?
— Entendi. A gente deve amar,
respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pelo, o couro
e os ossos.
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
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