terça-feira, 29 de junho de 2021

Terra, planeta único

 


Devemos, agora mais do que nunca, pensar com frequência sobre nossa casa cósmica. Vivendo em cidades, na correria do dia a dia, a gente pouco se dá conta do que ocorre ao nível planetário, ou de como nosso planeta é especial. Mas a Terra é única, e devemos nossa existência a ela. Primeiro, temos uma cumplicidade com o Sol, nossa estrela-mãe. A energia que vem de lá, e que vem chegando aqui por quase 5 bilhões de anos, é fundamental para a vida.
A Terra fica no que chamamos de zona de habitabilidade, a faixa de distância de uma estrela onde a água, se houver, tem chance de ser líquida. A premissa, aqui, é que, sem água, a vida é impossível. Por outro lado, vemos Vênus e Marte, nossos planetas vizinhos também na zona de habitabilidade do Sol, e a história lá é bem diferente. Como no futebol, estar bem posicionado não é suficiente para marcar um gol. O que, num jogador, chamamos de talento, num planeta chamamos de propriedades adequadas. Vênus é um verdadeiro inferno, tão quente que as rochas, lá, são incandescentes. Além do mais, sua atmosfera ultradensa é rica em compostos de enxofre, incluindo o que dá o fedor dos ovos podres. Marte, o oposto, é um deserto gelado, com cânions de rios e outras estruturas geológicas que mostram que seu passado foi diferente.
Acreditamos que, na sua infância, o Planeta Vermelho tenha tido água em abundância e até, quem sabe, algum tipo de vida rudimentar. Mas sua atmosfera foi desaparecendo aos poucos, vítima da gravidade mais fraca e dos ventos solares, a radiação que sai do Sol e se espalha pelo sistema solar, e a vida, se houve, tornou-se inviável. A Terra tem uma idade aproximada de 4,53 bilhões de anos. Nos primeiros 600 milhões de anos, a situação aqui era bem dramática, com bombardeios constantes vindos dos céus, colisões de asteroides e cometas que "sobraram" durante a formação dos planetas e das suas luas.
Esses visitantes trouxeram toda uma gama de compostos químicos e muita água, ingredientes da sopa que, em torno de 3,5 bilhões de anos atrás ou mesmo antes disso, daria origem às primeiras criaturas vivas. Essas criaturas, muito simples, eram seres unicelulares do tipo procariotas. Vemos fósseis deles em algumas rochas bem antigas, como as descobertas na costa oeste da Austrália, na Baía do Tubarão. Durante um bilhão de anos, pouco aconteceu.
A Terra foi se resfriando, os oceanos já bem formados, e regiões com terra firme foram cobrindo pequenas partes da superfície. Foi então que, em torno de 2,4 bilhões de anos atrás, esses seres unicelulares passaram por uma ou mais mutações fundamentais: descobriram a fotossíntese, a capacidade de transformar a energia solar em energia metabólica, consumindo gás carbônico e produzindo oxigênio. Aos poucos, essas criaturas foram mudando a composição da atmosfera da Terra, que foi ficando cada vez mais rica em oxigênio.
Devemos, em grande parte, nossa existência a essas bactérias e a essa mutação. Mas oxigênio não foi o suficiente. Formas de vida só podem evoluir de forma sustentável quando o planeta onde existem oferece condições para tal. Apesar das grandes transformações no decorrer da sua existência, a Terra permaneceu relativamente estável nos últimos 2 bilhões de anos, permitindo que formas de vida primitivas pudessem passar por incontáveis mutações. Os cataclismos que ocorreram – enormes erupções vulcânicas, emissão de metano em escala global, bombardeios de asteroides e cometas – mudaram as condições planetárias e, com isso, renegociaram as formas de vida que poderiam existir aqui. Felizmente, nunca a ponto de eliminar a vida por completo. (Se bem que a grande extinção do Permiano-Triássico chegou bem perto, eliminando cerca de 95% das formas de vida na Terra.)
Comparada aos outros mundos que conhecemos, a Terra se distingue por ser um oásis para a vida. Sua atmosfera protege a superfície dos raios ultravioleta letais que vêm do Sol. O campo magnético – resultado da circulação de ferro e níquel líquidos no centro do planeta – funciona como um escudo contra a radiação nociva que vem do espaço, principalmente partículas oriundas do Sol. O movimento lento das placas tectônicas, os grandes blocos de terra firme onde estão os continentes, recicla o gás carbônico entre os oceanos e a atmosfera.
Termos apenas uma Lua, bem grande, que estabiliza o eixo de rotação da Terra em sua inclinação de 23,5 graus, permitindo que as estações do ano continuem ritmicamente por milhões de anos. Juntas, essas propriedades transformam nosso planeta no que é, a casa de milhões de formas de vida, das profundezas dos oceanos até os picos gelados das montanhas geladas. (Contanto que abaixo de 6 mil metros.)
Portanto, viva a Terra! Não estamos aqui por acaso. Somos produto disso tudo, das inúmeras mutações que transformaram bactérias em pessoas, dos acidentes cataclísmicos que redefiniram as condições planetárias, das inúmeras mudanças que ocorreram no decorrer de bilhões de anos de história. Saber disso não nos diminui; pelo contrário, nos remete ao topo dessa cadeia de vida, nós que somos as criaturas capazes de reconstruir nosso passado com tanto detalhe e, ao mesmo tempo, nos questionar sobre o futuro.
Por outro lado, é bom lembrar que estar no topo não significa desprezar o que está abaixo. Do poder vem a responsabilidade, no caso, a responsabilidade de proteger a vida e o planeta, entendendo que somos parte dessa dinâmica planetária, ou mais, completamente dependentes dela. Aprendemos muito sobre a Terra, mas continuamos à mercê da Natureza. Tratar a Terra e suas formas de vida com humildade e respeito é a única opção que temos se quisermos continuar por aqui por outros tantos milhares de anos.

Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul

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