Leio no jornal uma entrevista do autor de
Cem anos de solidão. Só que seu nome é Gabriel García Márquez e
não Marques, como saiu publicado.
Não que eu seja lá muito cioso dessas
coisas, pelo contrário: meus lapsos ortográficos costumam ser bem
mais graves que uma simples troca do Z pelo S. Fixei na memória a
grafia certa do nome do escritor, não só por ter sido com Rubem
Braga o seu primeiro editor no Brasil, mas principalmente por causa
daquela sensacional entrevista sobre ele, que dei na época a uma
estagiária de um jornal do Rio.
– Me mandaram fazer com você uma
entrevista sobre o marquês – e ela foi ligando logo o gravador.
– Que marquês? – estranhei.
– Esse que vocês editaram.
– Não editamos nenhum marquês, que eu
saiba.
– O autor desse best-seller de vocês,
Cem anos de perdão.
– De solidão.
– Ou isso: de solidão. Ele não é
marquês?
– Não. Ele não é marquês. O nome
dele é Gabriel García MÁRQUEZ. Com z no fim. Se duvidar, é capaz
de ter até o acento no A.
– Então é isso. Foi confusão minha –
e ela não se deu por achada, muito menos por perdida, sempre
empunhando um microfone junto ao meu nariz. – Por que é que o
livro dele está fazendo tanto sucesso?
– Porque é um livro muito bom.
– Foi por isso que vocês publicaram?
Respirei fundo:
– Por isso o que, minha filha? Por ser
muito bom?
Ela me olhou como se estivesse
entrevistando uma toupeira:
– O que eu estou querendo saber é por
que vocês publicaram o livro dele.
– Porque nos foi recomendado como sendo
um livro muito bom.
– Recomendado por quem?
– Pelo Neruda.
– Quem?
– Pablo Neruda. Quando ele esteve no
Rio pela última vez, falou com o Rubem que se tratava do romance
mais importante em língua espanhola desde Dom Quixote.
– Quem é esse?
– Esse quem? O Rubem?
– Não: o outro.
– Dom Quixote?
– Não: esse cara que você falou
antes. O que recomendou o livro.
Resolvi deixar cair:
– Você vai me desculpar, minha filha,
mas não dá. A entrevista fica para outra vez, quem sabe. É muita
honra para um pobre marquês, mas infelizmente... Ou Márquez, se
você não se incomoda. No mais, muito obrigado.
– Eu é que agradeço!
Ela desligou o gravador, com ar
satisfeito, despediu-se e foi embora.
Fernando Sabino, in Fernando Sabino na sala de aula
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