O irmão, o mais velho, recontava as
histórias ouvidas da professora. Depois da morte fuga, abandono,
traição, afirmava: “Foram felizes para sempre”. Sempre pensei o
“sempre” como um tempo muito longe. O sempre começava no
nascimento e acabava, para cada um, numa hora que fugiu do relógio.
Viajar para o sempre não demanda bilhete de partida. Quando se
assusta, somos expulsos para o sempre, mesmo sem passagem. Eu sabia
que viver um dia é ter menos um dia. Comer o tomate era subtrair um
tomate. Para sempre me convenci de que o tomate era meu calendário.
Seis. Mais breve que o susto o irmão
foi-se. Diferente da partida da mãe, ele escolheu afastar-se sem
noticiar seu endereço. Não houve flor, cera, reza, terra, nem o
mais profundo.
Como pássaro, voou com desnorteio sem
deixar rastro. Procurei por ele em todas as horas, sem encontrá-lo
mesmo fora do relógio. A lucidez da solidão enforcava-me,
impedindo-me de gritar por ele.
Já não se entrevia o arroz através da
fatia do tomate. A faca fatiava com precisão cirúrgica. O exílio
do irmão deu mais sustância ao tomate. Agora dividido por seis. Não
era possível devorá-lo com apenas uma colherada. Minha fatia eu
dividia ao meio. Um pedaço para mim, outro para minha fantasia.
Por ouvir dizer, apontavam-me como
semelhante à sua fotografia, escondida no fundo da arca de madeira
de lei. Na névoa do olhar, na melancolia escrita na fronte, na
parcimônia do sorriso, nas meias-luas nas unhas, nas pausas
semibreves ao pontuar o mundo, no desconforto pela incógnita do
futuro, minha mãe vivificava em mim. Em mim, prolongava-se o ranço
de sua presença. Impossível ignorá-la diante de mim. Doía. Doía
o corpo inteiro.
Mas havia as tardes, com essências
inodoras de crepúsculos. Neste instante de incertezas — entre
cores — a vida com suas dúvidas se torna por demais demorada.
(Viver fica entre parênteses.) A paciência aconchega a alma e
adormece a dor. A beleza gratuita das tardes arranha até os olhos e
toda ausência mais dói, e mesmo o silêncio é insuficiente para
suportar esse meio-termo.
Bartolomeu Campos de Queirós, in Vermelho Amargo
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