E, com pouco, o Menino espiava, da
janelinha, as nuvens de branco esgarçamento, o veloz nada.
Entretempo, se atrasava numa saudade, fiel às coisas de lá. Do
tucano e do amanhecer, mas também de tudo, naqueles dias tão
piores: a casa, a gente, a mata, o jeep, a poeira, as ofegantes
noites — o que se afinava, agora, no quase-azul de seu imaginar. A
vida, mesmo, nunca parava. O Tio, com outra gravata, que não era a
tão bonita, com pressa de chegar olhava no relógio. Entrepensava o
Menino, já quase na fronteira soporosa. Súbita seriedade fazia-lhe
a carinha mais comprida.
E, quase num pulo, agoniou-se: o
bonequinho macaquinho não estava mais em seu bolso! Não é que
perdera o macaquinho companheiro!... Como fora aquilo possível? Logo
as lágrimas lhe saltavam.
Mas, então, o moço ajudante do piloto
veio trazer-lhe, de consolo, uma coisa: — “Espia, o que foi
que eu achei, para Você.” — e era, desamarrotado, o
chapeuzinho vermelho, de alta pluma, que ele, outro dia, tanto tinha
jogado fora!
O Menino não pôde mais atormentar-se de
chorar. Só o rumor e o estar no avião o atontavam. Segurou o
chapeuzinho sozinho, alisou-o, o pôs no bolso. Não, o
companheirinho Macaquinho não estava perdido, no sem-fundo escuro no
mundo, nem nunca. Decerto, ele só passeava lá, porventuro e
porvindouro, na outra-parte, aonde as pessoas e as coisas sempre iam
e voltavam. O Menino sorriu do que sorriu, conforme de repente se
sentia: para fora do caos pré-inicial, feito o desenglobar-se de uma
nebulosa.
E era o inesquecível de-repente, de que
podia traspassar-se, e a calma, inclusa. Durou um nem-nada, como a
palha se desfaz, e, no comum, na gente não cabe: paisagem, e tudo,
fora das molduras. Como se ele estivesse com a Mãe, sã, salva,
sorridente, e todos, e o Macaquinho com uma bonita gravata verde —
no alpendre do terreirinho das altas árvores... e no jeep aos bons
solavancos... e em toda-a-parte... no mesmo instante só... o
primeiro ponto do dia... donde assistiam, em tempo-sobre-tempo, ao
sol no renascer e ao voo, ainda muito mais vivo, entoante e existente
— parado que não se acabava — do tucano, que vem comer frutinhas
na dourada copa, nos altos vales da aurora, ali junto de casa. Só
aquilo. Só tudo.
— “Chegamos, afinal!” — o Tio
falou.
— “Ah, não. Ainda não...”
— respondeu o Menino.
Sorria fechado: sorrisos e enigmas, seus.
E vinha a vida.
Guimarães Rosa, in Os cimos
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