Ir para Copacabana já não tinha o menor
sentido; seria regressar à idade moderna.
Como dar adeus às sombras amigas, como
deixar os fantasmas cordiais que se tinham abancado em volta, ou de
pé, e em silêncio nos fitavam?
Era melhor cambalear pela triste Lapa.
Mas então aconteceu que os fantasmas ficaram lá embaixo, quando
subimos a escada. E dentro de meia hora chegamos à conclusão de que
o meu amigo é que era um fantasma. A mulher que dançava um samba
começou a fitá-lo, depois chamou outras. Nós somos pobres, e a
dose de vermute é cara. Como dar de beber a todas essas damas que
rodeiam o amigo?
Mas elas não querem beber vermute; bebem
meu amigo com os olhos e perguntam seu nome todo. Fitam-no ainda um
instante, reparam na boca, os olhos, o bigode, e se retiram com um ar
de espanto; mas a primeira mulher fica, apenas com sua amiga mais
íntima, que é mulata clara e tem um apelido inglês.
Em que cemitério dorme, nesta madrugada
de chuva, esse há anos finado senhor de nacionalidade espanhola e
província galega? Esse que vinha toda noite e era amigo de todas, e
amado de Sueli? Tinha a cara triste, nos informam, igual a ele, mas
igual, igual. Então meu amigo se aborrece; nem trabalha no comércio,
nem é espanhol, nem sequer está morto, embora confesse que ama
Sueli. Elas continuam; tinha a cara assim, triste, mas afinal era
engraçado, e como era bom. E até aquele jeito de falar olhando as
pessoas às vezes acima dos olhos, na testa, nos cabelos, como se
estivesse reparando uma coisa. Trabalhava numa firma importante e um
dia um dos sócios esteve ali com ele, naquela mesa ao lado, e disse
que quando tinha um negócio encrencado com algum sujeito duro,
mandava o Espanhol, e ele resolvia. Sabia lidar com pessoas; além
disso bebia e nunca ninguém pôde dizer que o viu bêbado. Só
ficava meio parado e olhava as pessoas mais devagar. Mais de dez
mulheres acordaram cedo para ir ao seu enterro; chegaram, tinha tanta
gente que todos ficaram admirados. Homens importantes do comércio, e
família, e moças, e colegas de firma, automóvel e mais automóvel,
meninos entregadores em suas bicicletas, muita gente chorando, e no
cemitério houve dois discursos. Até perguntaram quem era que
estavam enterrando. Era o Espanhol.
Sueli e Betty contam casos; de repente o
garçom repara em meu amigo, e pergunta se ele é irmão do Espanhol.
Descemos. Quatro ou cinco mulheres nos trazem até a escada, ficam
olhando. Eu digo: estão se despedindo de você, isto é seu enterro.
Meu amigo está tão bêbado que sai andando na chuva e falando
espanhol e some, não o encontro mais. Fico olhando as árvores do
Passeio Público com a extravagante ideia de que ele podia estar em
cima de alguma delas.
Grito seu nome. Ele não responde. A
chuva cai, lamentosa. Então percebo que na verdade ele é o
Espanhol, e morreu.
Rubem Braga, in Recado de primavera
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