segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Complexo

          O analista de Bagé recebe seus clientes de bombacha e pé no chão, nunca deixa de oferecer um chimarrão “pra clarear a urina e as ideia” e o divã do seu consultório é coberto com um pelego. Tudo isto é verdade. Mas algumas coisas que contam sobre o analista de Bagé são inventadas.
Como ele mesmo diz, “tão botando mais coisa na minha boca que água em pirão de quartel”. Não é verdade que as suas sessões de análise em grupo virem fandango e que ele as chame de “freudango”, ou “arrasta-trauma”. Ele se declara “mais ortodoxo que cafiaspirina e braguilha com botão”. Só o que fez foi mandar sua recepcionista Lindaura (“uma china que eu tava criando pra cruza mas passou do ponto”) acompanhar as sessões com o seu acordeom de madrepérola, “tão chique que em vez de baixo tem gaffe”. Mas é claro que se alguém quiser dançar, desde que seja mantido o respeito, pode. Outra ideia do analista de Bagé foi promover jogos de futebol de salão entre os seus grupos de análise. Jogam os sádicos num time e os masoquistas no outro. Assim, o jogo pode ser violento que ninguém se importa.
Mas o analista de Bagé não descuida dos seus clientes individuais. Outro dia recebeu um que teve que ser empurrado para dentro do consultório pela Lindaura.
Mas que índio más xucro – disse o analista, puxando o moço pelo braço.
Ele diz que não quer tirar o seu tempo – disse a Lindaura.
Mas tu não ta tirando, tchê. Tá comprando.
Mesmo assim... – disse o moço, humildemente.
Não te fresqueia e deita.
Mas…
Deita! – ordenou o analista, ajudando-o a se decidir com um empurrão. – Aceita um mate?
Quem sou eu.
Mas tu parece cascudo atravessando galinheiro, tchê. Qual é o causo?
É uma bobagem...
Desembucha.
É que eu tenho este complexo...
Sei.
O senhor vai até achar engraçado.
Engraçado é gorda botando as calça. Fala logo que eu tou com a salinha cheia de louco.
É um complexinho.
Tô ouvindo.
Fico até envergonhado. Tanto complexo grande por aí...
Fala, animal!
Meu complexo, coitado, é de inferioridade.
E tu quer ser curado, no más.
Se não der muito trabalho...
Olha aqui, ó bagual. O que tu tem é vaidade.
Eu?
Mais vaidoso que guri em chineiro. Conheço gente inferior aos monte. Inferior como tu.
E daí?
Daí que nenhuma pensa que é doença!

Luís Fernando Veríssimo, in O analista de Bagé

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