O jovem canadense, que não devia ter
mais de quinze anos, tinha hesitado demais. Por um momento, seus pés
pararam de se mover sobre as toras de madeira que flutuavam logo
acima da curva do rio, ele escorregou e submergiu antes que alguém
pudesse agarrar sua mão estendida. Um dos madeireiros estendeu a mão
para agarrar o cabelo comprido do rapaz – os dedos do homem
tatearam dentro da água gelada, que estava grossa, densa, cheia de
pedaços de casca de árvore. Então duas toras colidiram com força
no braço do aspirante a salvador, quebrando-lhe o pulso. O tapete de
toras flutuantes fechou-se completamente sobre o jovem canadense, que
não voltou à tona; nem mesmo uma de suas botas ou a mão apareceu
na superfície daquela água marrom.
Num engavetamento de toras de madeira,
assim que a tora principal era liberada, os condutores tinham que se
mover depressa e continuamente; se parassem mesmo que só por um ou
dois segundos, seriam arremessados na correnteza. Num comboio de
madeira pelo rio, a morte entre toras em movimento podia ocorrer por
esmagamento, antes que a pessoa tivesse a chance de se afogar – mas
o mais comum era o afogamento.
Da margem do rio, onde o cozinheiro e o
seu filho de doze anos podiam ouvir os xingamentos do madeireiro cujo
pulso tinha sido quebrado, ficou logo claro que alguém estava mais
encrencado do que o aspirante a salvador, que havia soltado o braço
machucado e conseguido recuperar o equilíbrio sobre as toras
flutuantes. Seu companheiro no comboio ignorou-o; eles se moveram com
passos rápidos e curtos na direção da margem, gritando o nome do
rapaz desaparecido. Os madeireiros procuravam sem parar com seus
ganchos, direcionando as toras à frente deles. Eles estavam,
principalmente, procurando o caminho mais seguro para a margem, mas
para o filho esperançoso do cozinheiro, parecia que eles estavam
criando um espaço de largura suficiente para o jovem canadense
emergir. Na realidade, havia agora apenas intervalos intermitentes
entre as toras. O rapaz que tinha dito a eles chamar-se “Angel
Pope, de Toronto”, desapareceu rapidamente.
– É o Angel? – o menino de
doze anos perguntou ao pai. Este menino, de olhos castanho-escuros e
expressão séria e intensa, poderia ser confundido com um irmão
mais moço de Angel, mas não havia como negar sua semelhança com
seu sempre atento pai. O cozinheiro emanava uma aura de apreensão
controlada, como se rotineiramente antecipasse os desastres mais
imprevistos, e havia algo no ar sério do filho que refletia isso; na
verdade, o menino se parecia tanto com o pai que diversos madeireiros
já haviam manifestado surpresa de que o filho não tivesse o andar
manco do pai.
O cozinheiro sabia muito bem que fora o
jovem canadense quem havia caído sob as toras. Foi o cozinheiro que
avisara aos madeireiros que Angel era inexperiente demais para o
trabalho de transportar madeira pelo rio; o rapaz não devia estar
tentando desfazer um engavetamento. Mas provavelmente o rapaz estava
louco para agradar, e talvez os madeireiros não tivessem prestado
atenção nele no começo.
Na opinião do cozinheiro, Angel Pope
também era inexperiente e desajeitado demais para estar trabalhando
perto da lâmina principal de uma serraria. Esse era estritamente o
território do serrador – um cargo altamente qualificado nas
serrarias. O operador de plaina também fazia um trabalho
relativamente qualificado, embora não especialmente perigoso.
As tarefas mais perigosas e menos
qualificadas eram trabalhar no deque de toras, onde as toras eram
roladas para dentro da serraria e para cima do carro de serra, ou
descarregando toras dos caminhões. Antes do advento dos carregadores
mecânicos, as toras eram descarregadas soltando-se uma alavanca do
lado do caminhão – isto permitia que a carga toda rolasse para
fora do caminhão ao mesmo tempo. Mas as alavancas às vezes não
funcionavam; os homens às vezes eram apanhados sob uma cascata de
toras enquanto estavam tentando liberar uma carga.
Na opinião do cozinheiro, Angel não
deveria estar fazendo nenhum trabalho que o colocasse perto de
toras em movimento. Mas os madeireiros gostavam tanto do jovem
canadense quanto o cozinheiro e o filho dele, e Angel tinha dito que
estava entediado de trabalhar na cozinha. O rapaz queria fazer um
trabalho mais pesado, e gostava do ar livre.
O ruído constante dos ganchos batendo
nas toras foi brevemente interrompido pelos gritos dos madeireiros
que avistaram o gancho de Angel – a mais de cinquenta metros do
local onde o rapaz desapareceu. A vara de quase cinco metros estava
flutuando onde a correnteza do rio a havia levado, longe das toras.
O cozinheiro viu que o madeireiro com o
pulso quebrado tinha chegado na margem, carregando seu gancho com a
mão boa. Primeiro pela familiaridade dos seus palavrões, e em
segundo lugar pelo cabelo mechado e a barba desgrenhada do
madeireiro, o cozinheiro percebeu que o homem machucado era Ketchum –
nenhum neófito na tarefa traiçoeira de conduzir toras de madeira.
Era abril – pouco depois do último
degelo e do começo da estação de lama – mas o gelo só se
quebrara recentemente na bacia do rio, com as primeiras toras caindo
na corrente de gelo da bacia que dava nos lagos Dummer. O rio estava
gelado e cheio, e muitos dos madeireiros tinham cabelos compridos e
barbas espessas, o que lhes dava uma certa proteção contra os
mosquitos de meados de maio.
Ketchum deitou-se de costas na margem do
rio como um urso encalhado. A massa de toras flutuantes passou por
ele. Parecia que o comboio de toras era uma jangada e os madeireiros
que ainda estavam no rio pareciam náufragos no mar – só que o
mar, de um momento para outro, passava de marrom esverdeado para
preto azulado. A água do rio Twisted era tingida de tanino.
– Que merda, Angel! – Ketchum
gritou. – Eu disse para bater os pés, Angel. Você tem que ficar
batendo os pés! Que merda.
A vasta extensão de toras não servira
de jangada salvadora para Angel, que tinha se afogado ou sido
esmagado na bacia após a curva do rio, embora os madeireiros
(Ketchum inclusive) fossem seguir o comboio de toras pelo menos até
onde o rio Twisted desaguava no Reservatório Pontook, da Represa
Dead Woman. A Represa Pontook do rio Androscoggin tinha criado o
reservatório; depois que as toras fossem soltas no Androscoggin,
elas iriam encontrar em seguida os espaços de triagem perto de
Milan. Em Berlin, o Androscoggin caía sessenta metros em três
milhas; duas fábricas de papel pareciam dividir o rio nos intervalos
de triagem em Berlin. Não era inconcebível imaginar que o jovem
Angel Pope, de Toronto, estivesse a caminho de lá.
John Irving, in A última noite perto do rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário