Uma
noite gaguejei uma prece por um padre que tem medo de morrer e tem
vergonha de ter medo. Eu disse um pouco para Deus, com algum pudor:
alivia a alma do Padre X..., faze com que ele sinta que Tua mão está
dada à dele, faze com que ele sinta que a morte não existe porque
na verdade já estamos na eternidade, faze com que ele sinta que amar
é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte,
faze com que ele sinta uma alegria modesta e diária, faze com que
ele não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa
quanto a pergunta, faze com que ele se lembre de que também não há
explicação por que um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto
ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que ele receba o
mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos
criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há
uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa
conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la,
abençoa-o para que ele viva com alegria o pão que ele come, o sono
que ele dorme, faze com que ele tenha caridade por si mesmo, pois
senão não poderá sentir que Deus o amou, faze com que ele perca o
pudor de desejar que na hora da sua morte ele tenha uma mão humana
para apertar a sua, amém. (Padre X... tinha me pedido para eu rezar
por ele.)
Clarice
Lispector, in Todas as crônicas
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