sábado, 13 de junho de 2020

Noite escandinava (saudade da Patrícia)

Estocolmo, Suécia

Não é a luz que acendo.
Acabei, sim, de acender a noite.

Num instante,
o teto se torna céu
e o escuro se torna leito.

A noite é escassa
para tanta saudade.

Saudade
da espreguiçada noite dos trópicos,
saudade
da noite com vagar para não dormir,
saudade
da noite com tempo para esquecer o tempo.

A gente desta cidade
sonha depressa e pouco.
Tão depressa
que o sono fica isento de pecado.

De manhã, despertam
com o sonho ainda a meio,
como quem é surpreso
de braço dado com o demônio.

E contam os sonhos a um médico
como se de doença se expurgassem.

Desconhecem
o atentado contra a poesia:
a lembrança do sonho
mata o termos sonhado.

Esta claridade de meia-noite,
este poente que nunca encontra sol,
foram feitos para te roubar da distância.

Nenhuma geografia me vence:
neste matinal crespúsculo
eu te desenho, luar de sombra.

E já não é nem pecado nem sonho:
és tu que acendo
num quase ocaso de Estocolmo.
Mia Couto

Nenhum comentário:

Postar um comentário