Será
inútil escrever um tratado sobre queijos e torná-lo leitura
obrigatória nas escolas de um país onde nunca se viu um queijo. A
palavra “queijo” só tem sentido para quem já comeu queijo. A
compreensão exige um antecedente de experiência. É preciso
primeiro ter a experiência do queijo para depois entender um texto
que fale de queijos. Só de brincadeira, vamos imaginar o que
passaria pela sua cabeça ao ler um texto em que o autor diz: “O
rato roeu o queijo do rei de Roma”, sem que você jamais tivesse
visto um queijo! Sua cabeça iria se esforçar por compreender. Mas,
como não tem experiência alguma de queijos, ela iria procurar no
estoque de experiências que a memória guarda das coisas que um rei
deve ter e que poderiam ser roídas por um rato: sapatos, chapéus,
livros, bolos, cuecas, camisas, cintos, meias... A única coisa que
não sairia do estoque de experiências que a memória guarda seria
um queijo. Daí a afirmação de Nietzsche de que, ao ler, os
leitores tiram do seu estoque de experiências... as suas próprias
experiências. Então estamos condenados a nunca sair das bolhas em
que vivemos? Podemos sair desde que usemos uma chave chamada “a
arte da desconfiança”... Ao ler sobre os queijos que nunca comeu,
você poderia, roído pela curiosidade, fazer uma pesquisa à procura
do país dos queijos. Você iria até lá, comeria um queijo e diria:
“Agora sei o que é um queijo...”. É preciso, antes de mais
nada, desconfiar do nosso estoque de experiências, colocar as nossas
certezas de lado. Aqueles que imaginam que o mundo é do tamanho de
suas experiências ficam autoritários. Frequentemente inquisidores.
É preciso rezar diariamente a reza que Karl Popper nos ensinou: “Nós
não temos a verdade. Nós só podemos dar palpites...”.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
Nenhum comentário:
Postar um comentário