sábado, 4 de abril de 2020

Queijos

Será inútil escrever um tratado sobre queijos e torná-lo leitura obrigatória nas escolas de um país onde nunca se viu um queijo. A palavra “queijo” só tem sentido para quem já comeu queijo. A compreensão exige um antecedente de experiência. É preciso primeiro ter a experiência do queijo para depois entender um texto que fale de queijos. Só de brincadeira, vamos imaginar o que passaria pela sua cabeça ao ler um texto em que o autor diz: “O rato roeu o queijo do rei de Roma”, sem que você jamais tivesse visto um queijo! Sua cabeça iria se esforçar por compreender. Mas, como não tem experiência alguma de queijos, ela iria procurar no estoque de experiências que a memória guarda das coisas que um rei deve ter e que poderiam ser roídas por um rato: sapatos, chapéus, livros, bolos, cuecas, camisas, cintos, meias... A única coisa que não sairia do estoque de experiências que a memória guarda seria um queijo. Daí a afirmação de Nietzsche de que, ao ler, os leitores tiram do seu estoque de experiências... as suas próprias experiências. Então estamos condenados a nunca sair das bolhas em que vivemos? Podemos sair desde que usemos uma chave chamada “a arte da desconfiança”... Ao ler sobre os queijos que nunca comeu, você poderia, roído pela curiosidade, fazer uma pesquisa à procura do país dos queijos. Você iria até lá, comeria um queijo e diria: “Agora sei o que é um queijo...”. É preciso, antes de mais nada, desconfiar do nosso estoque de experiências, colocar as nossas certezas de lado. Aqueles que imaginam que o mundo é do tamanho de suas experiências ficam autoritários. Frequentemente inquisidores. É preciso rezar diariamente a reza que Karl Popper nos ensinou: “Nós não temos a verdade. Nós só podemos dar palpites...”.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

Nenhum comentário:

Postar um comentário