domingo, 5 de abril de 2020

Raízes

Ehrenburg, que lia e traduzia meus versos, implicava:
Raiz demais, demasiadas raízes em teus versos. Por que tantas?
É verdade. As terras da fronteira meteram suas raízes em minha poesia e nunca puderam sair dela. Minha vida é uma longa peregrinação que sempre dá voltas, que sempre retorna ao bosque austral, à selva perdida.
Ali as grandes árvores foram tombadas às vezes por setecentos anos de vida poderosa ou desenraizadas pela turbulência ou queimadas pela neve ou destruídas pelo incêndio. Senti cair na profundidade do bosque as árvores titânicas: o carvalho que cai com um som de catástrofe surda, como se golpeasse com uma mão colossal as portas da terra pedindo sepultura.
Mas as raízes ficam a descoberto, entregues ao tempo inimigo, à umidade, aos líquens, à aniquilação sucessiva.
Nada mais belo que essas grandes mãos abertas, feridas e queimadas, que atravessando-se em uma senda do bosque nos dizem o segredo da árvore enterrada, o enigma que sustentava a folhagem, os músculos profundos da dominação vegetal. Trágicas e hirsutas, mostram-nos uma nova beleza. São esculturas da profundidade, obras-primas e secretas da natureza.
Certa vez, andando com Rafael Alberti entre cascatas, matagais e bosques, cerca de Osorno, ele me fazia observar que cada ramagem se diferenciava da outra, que as folhas pareciam competir na infinita variedade do estilo.
Parecem escolhidas por um paisagista botânico para um parque estupendo – dizia.
Anos depois, em Roma, Rafael recordava aquele passeio e a opulência natural de nossos bosques.
Assim era – e não é assim. Penso com melancolia em minhas andanças de menino e de adolescente entre Boroa e Carahue ou até Toltén nas elevações da costa. Quantos descobrimentos! O garbo da caneleira e sua fragrância depois da chuva, os líquens cuja barba de inverno fica suspensa dos rostos inumeráveis do bosque!
Eu empurrava as folhas mortas, tratando de encontrar o relâmpago de alguns coleópteros: os cárabos dourados vestidos de furta-cor para dançar um minúsculo balé sob as raízes.
Ou mais tarde, quando atravessei a cavalo a cordilheira até o lado argentino, sob a abóbada verde das árvores gigantescas, surgiu um obstáculo: a raiz de uma delas, mais alta do que nossas montarias, cortando-nos o passo. Trabalho de força e de facas do mato tornaram possível a travessia. Aquelas eram como catedrais tombadas: a magnitude descoberta que nos impunha sua grandeza.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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