Nosso
corpo fala línguas que ele mesmo desconhece... Em tempos antigos,
quando se escrevia em couro, costumava-se apagar um texto a fim de
escrever um texto novo. As palavras eram raspadas e a superfície do
couro era alisada com o auxílio de presas de elefante. Quando se
percebia que nada do antigo texto restava, fazia-se uma nova escrita.
E a antiga estava perdida, para sempre... Eles não sabiam,
entretanto, que dentro do couro o texto antigo permanecia, invisível.
Hoje, graças a técnicas modernas, ele pode ser recuperado. Eram os
palimpsestos: couro sobre o qual muitos textos eram escritos. Nossos
corpos: palimpsestos...
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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