sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Linguagem do êxtase

Era uma lua tão pura que convidava à serenata, a menos que fosse a serenata que, de tão divina, chamasse a lua. Luar e serenata combinavam-se deliciosamente, mas de súbito Zeca Heliodoro depôs o violão na calçada e desfechou três tiros no ar.
Zeca era pacífico e não bebera. Os companheiros ficaram atônitos, várias janelas se abriram assustadas, e a voz do prefeito ressoou na noite:
Se querem me depor, estão muito enganados! Exercerei meu mandato até o término legal!
E passando da palavra à ação, o prefeito descarregou seu revólver a esmo, pondo em fuga precipitada todos os seresteiros.
Menos Zeca, imóvel na praça, inatingido pelos disparos e tentando explicar, não ao prefeito, mas à sua filha Zulmira (invisível) que a música era insuficiente para exprimir seu êxtase diante da jovem e que, em certos momentos do coração, três tiros no ar valem por uma salva de amor.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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