Há
em cada empresa, afeição ou idade um ciclo inteiro da vida humana.
O primeiro número do meu jornal encheu-me a alma de uma vasta
aurora, coroou-me de verduras, restituiu-me a lepidez da mocidade.
Seis meses depois batia a hora da velhice, e daí a duas semanas a da
morte, que foi clandestina, como a de Dona Plácida. No dia em que o
jornal amanheceu morto, respirei como um homem que vem de longo
caminho. De modo que, se eu disser que a vida humana nutre de si
mesma outras vidas, mais ou menos efêmeras, como o corpo alimenta os
seus parasitas, creio não dizer uma coisa inteiramente absurda. Mas,
para não arriscar essa figura menos nítida e adequada, prefiro uma
imagem astronômica: o homem executa à roda do grande mistério um
movimento duplo de rotação e translação; tem os seus dias,
desiguais como os de Júpiter, e deles compõe o seu ano mais ou
menos longo.
No
momento em que eu terminava o meu movimento de rotação, concluía
Lobo Neves o seu movimento de translação.
Morria
com o pé na escada ministerial. Correu, ao menos durante algumas
semanas, que ele ia ser ministro; e pois que o boato me encheu de
muita irritação e inveja, não é impossível que a notícia da
morte me deixasse alguma tranquilidade, alívio, e um ou dois minutos
de prazer. Prazer é muito, mas é verdade; juro aos séculos que é
a pura verdade.
Fui
ao enterro. Na sala mortuária achei Virgília, ao pé do féretro, a
soluçar. Quando levantou a cabeça, vi que chorava deveras. Ao sair
o enterro, abraçou-se ao caixão, aflita; vieram tirá-la e levá-la
para dentro. Digo-vos que as lágrimas eram verdadeiras. Eu fui ao
cemitério; e, para dizer tudo, não tinha muita vontade de falar;
levava uma pedra na garganta ou na consciência. No cemitério,
principalmente quando deixei cair a pá de cal sobre o caixão, no
fundo da cova, o baque surdo da cal deu-me um estremecimento
passageiro, é certo, mas desagradável; e depois a tarde tinha o
peso e a cor do chumbo; o cemitério, as roupas pretas…
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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