O
sol de domingo pôs na praia toda a população da zona sul. Bateu de
chapa na cidade falsa, em seus falsos arranha-céus, em sua falsa
comunidade, e aí pelo meio-dia as areias de Copacabana, Ipanema e
Leblon crepitavam de mocidades atléticas, madurezas adiposas e
velhices murchas, num desperdício de carne humana. Jogos de bola,
jogos de mão, jogos de olhares - a gente moça expunha-se com vigor
ao cautério solar, enquanto os mais comprometidos com a morte
resguardavam-se à sombra das barracas, dando um mergulho ou outro de
curta duração e voltando ad locum suun inchando o peito e
encolhendo a barriga.
Um
espetáculo belo-horrível, para usar desse desagradável
lugar-comum. Vi uns poucos amigos meus, gente a beirar os quarenta,
todos eles com os tórax começando a se aplastar em distensões
abdominais mais ou menos consideráveis: essas irremediáveis
deformações que o tempo impõe ao corpo humano que prefere viver a
se conservar; as mesmas que noto em mim mesmo diariamente e cuja
eliminação exige uma força de vontade que não tenho e nem quero
ter. Negócio pau, com que a gente sofre a princípio, depois
acostuma-se porque não há nada a fazer. Vem tão rápido que mal se
percebe. Um dia se é um rapazinho esguio, de perna forte e peito
dividido, a dar “paradas” nos bancos da praia para as meninas
verem; depois, súbito - um aborrecimento, um período duro, uma
paixão, uma viagem - e se é um homem com cabelos começando a
embranquecer, os músculos docemente cobertos por uma leve camada de
gordura, o fígado inchado, milhões de responsabilidades e uma
missão a cumprir na vida.
Tudo
isso vem de repente, quando menos se espera. E chega para todo mundo,
menos para os reservados, os que preferem se guardar para os vermes
da terra. Essa dor do tempo, de que nenhum poeta falou direito ainda.
Mas
é isso mesmo. Hoje somos nós, amanhã são eles, depois de amanhã
são os filhos deles, nossos possíveis netos. Esta joça toda
caminha para a constelação de Órion desde há alguns milhares de
séculos. Em vista do quê, preparemo-nos para os pileques de fim de
ano, que vêm aí. Mais um ano, meus amigos. Estamos fritos.
Vinicius
de Moraes, in Para viver um grande amor
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