sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O arrependimento

Estávamos saindo da cidade de B..., deixando as últimas casas e entrando na paisagem de campos e árvores, com o sol desaparecendo atrás dos morros.
Estávamos calados.
Eu pensava em Judas Iscariotes, o qual, segundo um escritor religioso, traíra Jesus Cristo por acreditar infinitamente nele; por isso não pôde esperar o milagre pelo qual Jesus deveria manifestar a todos os judeus seu poder divino; e por isso entregou-o aos esbirros para forçá-lo logo à ação. Ele o traiu porque queria apressar a hora de sua vitória.
Pena, fiquei cismando, se traí Martin, foi exatamente pela razão contrária, foi porque parei de acreditar nele (e na essência divina de sua corrida às mulheres); sou um híbrido infame de Judas Iscariotes e de Tomé, aquele que chamamos o Incrédulo. Sentia que meu pecado aumentava ainda mais minha simpatia por Martin e que a bandeira da eterna procura da mulher (essa bandeira que víamos tremular sem cessar acima das nossas cabeças) me enternecia até as lágrimas. Começava a me culpar por minha precipitação.
Seria eu capaz, um dia, de renunciar a esses gestos que significam a juventude? Que outra coisa poderia fazer senão me contentar em imitá-los, e tentar encontrar na minha vida racional um pequeno espaço para essa atividade irracional? Pouco importa que tudo isso seja um jogo inútil! Pouco importa que saiba disso! Iria eu renunciar ao jogo simplesmente porque ele é inútil?
Milan Kundera, in Risíveis amores

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