Oscar
Wilde, que morreu há mais de 100 anos, escreveu algumas das frases
mais memoráveis e citáveis da língua inglesa para seus
personagens, mas hoje o seu personagem mais lembrado é ele mesmo, e
vários autores modernos o aproveitaram e botaram no palco com falas
novas. Wilde aparece na peça de Tom Stoppard The Invention of
Love, sobre o poeta e classicista A. E. Housman, como uma espécie
de contraponto flamante ao sóbrio mas também homossexual Housman,
dizendo coisas como “a arte não pode ser subordinada ao seu
sujeito, pois neste caso não é arte mas biografia, e biografia é a
malha através da qual a vida real escapa”. E: “Melhor um foguete
caído do que nenhuma explosão de luz. Dante reservou um lugar no
seu Inferno para os deliberadamente tristes – os taciturnos no doce
ar, como ele disse.” E: “O artista é o criminoso secreto em
nosso meio. É o agente do progresso contra a autoridade.” E: “Um
artista deve mentir, trapacear, enganar, ser infiel à Natureza e
desprezar a história. Eu transformei minha arte na minha vida e fui
um sucesso incondicional. O fulgor da minha imolaçã o iluminou
todos os cantos desta terra , onde jovens sem conta recolhiam-se,
cada um à sua própria escuridão.” E: “Eu despertei a
imaginação do século.” O Wilde de Stoppard diz tudo isto a
Housman depois de morto, esperando o barqueiro que levará a alma dos
dois para o outro lado.
Outro
autor inglês que brincou de Wilde escrevendo para um Wilde fictício
foi Terry Eagleton. Um dramaturgo surpreendente, pois é mais
conhecido como crítico literário e pensador marxista. Na sua peça
Saint Oscar, sobre o julgamento que condenou Wilde à prisão,
Eagleton põe vários solilóquios wildianos na boca do escritor. A
começar por sua apresentação à platéia: “Me chamaram Oscar
Fingal O’Flahertie Wills Wilde. Outros ganham nomes, eu ganhei uma
sentença inteira. Nasci com uma sentença sobre a minha cabeça.”
Depois de explicar sua gordura dizendo que come para compensar a fome
na Irlanda, Wilde diz: “Sempre julguem pelas aparências, que são
mais confiáveis do que a realidade. Os ingleses acham que isso é
hipocrisia. Vocês se surpreendem que eles desconfiem de aparências,
depois do que fizeram à metade do mundo? Eles fogem disso para um
lugar interior chamado verdade. Um lugar profundo – como uma
cloaca. Enquanto eu sou superficial, profundamente superficial. Não
há nada à flor da pele na minha superficialidade.” E sobre a sua
mãe: “Uma mulher admirável. Talvez seja o que mais me desagrade
nela.”
Num
dos seu solilóquios dirigidos à platéia, o “Wilde” de Eagleton
diz:
“Tento
não ter nenhum tipo de ressentimento social, mas não consigo evitar
a inveja dos privilégios dos pobres. Eles estão livres da
indigestão e do pânico na escolha do que vestir e não têm tempo
para especulações metafísicas inúteis. É a sua naturalidade que
eu invejo. Não, isso não é verdade. Detesto a Natureza. Ela me
parece, de alguma forma, inepta. Um clichê. Observo uma pequena
gaivota bicando perfunctoriamente à sua volta e a considero pouco
convincente. Eu sei que eles se esforçam, mas os animais são atores
atrozes. Sempre estragam tudo. A Natureza não tem o dom do
improviso: está sempre tediosamente se repetindo. Enquanto eu nunca
faço a mesma coisa duas vezes, e é isso que me torna tão
fascinante. Toda a minha vida tem sido uma longa prática
antinatural. Não sou previsível como uma couve-flor.”
E:
“É curioso como as pessoas ainda desaprovam a roupa, depois de
tantos milênios. Consideram a nudez mais autêntica. Não posso
imaginar um pensamento mais pervertido. A nudez sempre me pareceu tão
artificial. Aparecer no tribunal totalmente nu – ah, essa seria a
pose extrema. Tirem a minha roupa e a minha alma vai junto.”
E:
“Sou um igualitário: para mim todas as classes são vulgares.”
E:
“Sou socialista porque sou individualista. Como pode alguém ser um
indivíduo neste esgoto de sociedade? Na minha santa devoção ao meu
próprio ego prefiguro uma Nova Jerusalém, em que todos poderão
ser, puramente, eles mesmos.”
E,
falando no tribunal que o condenaria: “Nunca entendi o sentido do
termo moralidade, a não ser como um meio de opressão. Sou, em suma,
um decadente. Mas temo que a saúde de vocês possa ser mais doentia
do que a minha decadência. Melhor sensacionalista do que
imperialista. Temo pela saúde moral de uma nação inteira obcecada
em determinar qual é o buraco certo. Vocês subjugam raças
inteiras, condenam a massa da sua própria população à miséria e
ao desespero, e só conseguem pensar em que órgão sexual deve
entrar onde.”
E:
“Vocês sustentam que homem é homem e mulher é mulher. Eu
sustento que nada é simplesmente o que é, e que o ponto em que isso
acontece se chama morte. Portanto exijo que meus defensores sejam
metafísicos em vez de advogados e que o júri seja composto pelos
meus pares – poetas, pervertidos, vagabundos e gênios.”
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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