Um
leitor me perguntou se era possível transformar uma celebridade em
personagem de ficção.
Claro
que sim. Quando se trata de ficção, tudo é possível. Depende
menos da celebridade e muito mais do talento do escritor. Há
celebridades extraordinárias: artistas, poetas, cantores,
escritores, empresários, dançarinos, jornalistas. E, por que não
dizer, políticos, mas estes são celebridades cada vez menos
extraordinárias. Ou mais ordinárias.
Vários
romancistas e cineastas se inspiraram em celebridades para compor uma
obra. Cidadão Kane, o clássico dirigido por Orson Welles, é
um grande filme sobre esse tema. Mas o leitor referia-se a outro tipo
de celebridade, a mais vulgar e efêmera de todas, do tipo Big
Brother. Aí desconfio quando alguém afirma: “Tal celebridade
parece uma personagem”. No máximo, personagens bufos, caricatos:
figuras planas e chapadas dotadas de um pensamento rasteiro, de uma
felicidade ou infelicidade que nunca convence. Pessoas, enfim, que
mascaram seus próprios sentimentos e apenas representam uma vida
superficial, ou representam superficialmente um modo de viver. Mas
como tudo o que é vulgar é humano, podem muito bem ser personagens.
De algum modo, já são diante da câmera. A passagem para a ficção
é outra história.
Mas
não queria falar dessas celebridades, que lembram frutas da estação.
Algumas apodrecem antes do tempo; ou, mastigadas ainda verdes, são
um convite à indigestão. Muitas desaparecem no outono, ressurgem no
verão e são esquecidas no inverno. Daqui a algum tempo, todas se
tornam casca de banana.
Passei
da celebridade vulgar à casca de uma fruta. Então vamos à fruta,
que é saborosa, milagrosa para a saúde e custa uma mixaria. Sim,
leitor. Banana é coisa séria. Li em algum lugar que os mortais
viciados em bananas livram-se da depressão. A banana tornou-se uma
verdadeira celebridade nas Filipinas. Dizem até que já não há
mais asiáticos deprimidos. Isso porque um estudo de laboratório
revelou uma alta dose de um antidepressivo natural nesta fruta cuja
casca tem duas cores da bandeira do Brasil. Duas? Com um pouco de
imaginação, todas as cores, pois há bananas azuladas e
embranquecidas. E não geram apenas bom humor. A fruta é rica em
vitaminas K, C, A e B6, reduz o risco de lesão cardíaca e aumenta a
massa muscular de adultos e crianças.
Mal
acabei de ler o artigo científico, corri até a quitanda mais
próxima e comprei uma dúzia de bananas. Tracei três antes de
dormir. Eu, que sofro de insônia mórbida, dormi como um anjo. O dia
amanheceu nublado em São Paulo, mas acordei saltitante, sem sinal de
irritação. Depois folheei os jornais e li de relance um bate-boca
entre políticos. Era tanto insulto, tanta agressão verbal, que
pensei: Por que eles não comem bananas? Falta-lhes uma bananinha na
boca, no estômago. Ou na vida. Só uma banana? Um cacho, uma
bananada a cada hora do dia com sua noite. É claro que lhes faltam
também um naco de compostura, mas seria pedir muito a celebridades
tão ordinárias.
Depois
li as coisas mais absurdas do mundo, deste mundo insano que nos tocou
viver. Mas não me descabelei. Fui às bananas, reli uns poemas de
Drummond e escrevi esta crônica sobre uma fruta célebre.
Milton
Hatoum, in Um solitário à espreita
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