quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Celebridades, personagens e bananas

Um leitor me perguntou se era possível transformar uma celebridade em personagem de ficção.
Claro que sim. Quando se trata de ficção, tudo é possível. Depende menos da celebridade e muito mais do talento do escritor. Há celebridades extraordinárias: artistas, poetas, cantores, escritores, empresários, dançarinos, jornalistas. E, por que não dizer, políticos, mas estes são celebridades cada vez menos extraordinárias. Ou mais ordinárias.
Vários romancistas e cineastas se inspiraram em celebridades para compor uma obra. Cidadão Kane, o clássico dirigido por Orson Welles, é um grande filme sobre esse tema. Mas o leitor referia-se a outro tipo de celebridade, a mais vulgar e efêmera de todas, do tipo Big Brother. Aí desconfio quando alguém afirma: “Tal celebridade parece uma personagem”. No máximo, personagens bufos, caricatos: figuras planas e chapadas dotadas de um pensamento rasteiro, de uma felicidade ou infelicidade que nunca convence. Pessoas, enfim, que mascaram seus próprios sentimentos e apenas representam uma vida superficial, ou representam superficialmente um modo de viver. Mas como tudo o que é vulgar é humano, podem muito bem ser personagens. De algum modo, já são diante da câmera. A passagem para a ficção é outra história.
Mas não queria falar dessas celebridades, que lembram frutas da estação. Algumas apodrecem antes do tempo; ou, mastigadas ainda verdes, são um convite à indigestão. Muitas desaparecem no outono, ressurgem no verão e são esquecidas no inverno. Daqui a algum tempo, todas se tornam casca de banana.
Passei da celebridade vulgar à casca de uma fruta. Então vamos à fruta, que é saborosa, milagrosa para a saúde e custa uma mixaria. Sim, leitor. Banana é coisa séria. Li em algum lugar que os mortais viciados em bananas livram-se da depressão. A banana tornou-se uma verdadeira celebridade nas Filipinas. Dizem até que já não há mais asiáticos deprimidos. Isso porque um estudo de laboratório revelou uma alta dose de um antidepressivo natural nesta fruta cuja casca tem duas cores da bandeira do Brasil. Duas? Com um pouco de imaginação, todas as cores, pois há bananas azuladas e embranquecidas. E não geram apenas bom humor. A fruta é rica em vitaminas K, C, A e B6, reduz o risco de lesão cardíaca e aumenta a massa muscular de adultos e crianças.
Mal acabei de ler o artigo científico, corri até a quitanda mais próxima e comprei uma dúzia de bananas. Tracei três antes de dormir. Eu, que sofro de insônia mórbida, dormi como um anjo. O dia amanheceu nublado em São Paulo, mas acordei saltitante, sem sinal de irritação. Depois folheei os jornais e li de relance um bate-boca entre políticos. Era tanto insulto, tanta agressão verbal, que pensei: Por que eles não comem bananas? Falta-lhes uma bananinha na boca, no estômago. Ou na vida. Só uma banana? Um cacho, uma bananada a cada hora do dia com sua noite. É claro que lhes faltam também um naco de compostura, mas seria pedir muito a celebridades tão ordinárias.
Depois li as coisas mais absurdas do mundo, deste mundo insano que nos tocou viver. Mas não me descabelei. Fui às bananas, reli uns poemas de Drummond e escrevi esta crônica sobre uma fruta célebre.
Milton Hatoum, in Um solitário à espreita

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