Podemos
conceber duas formar de experimentar a solidão: sentir-se só no
mundo ou sentir a solidão do mundo. Quem se sente só vive um drama
puramente individual - o sentimento do abandono pode advir na mais
esplêndida situação. Ser jogado neste mundo, incapaz de
adaptar-se, destruído por suas próprias deficiências ou
exaltações, indiferente aos aspectos exteriores - sejam eles
sombrios ou brilhantes - para permanecer pregado a seu drama
interior, eis o que significa a solidão individual. Mas o sentimento
da solidão cósmica procede menos de um tormento puramente subjetivo
do que da sensação do abandono deste mundo, de um vazio objetivo.
Como se o mundo tivesse perdido subitamente todo o brilho para evocar
a monotonia essencial de um cemitério. Muitos são torturados pela
visão de um universo abandonado, irremediavelmente consagrado a uma
solidão glacial, que mesmo os fracos reflexos de um luar do
crepúsculo não saberiam atingir. Quais são, então, os mais
infelizes: aqueles que sentem a solidão em si mesmos ou aqueles que
a sentem no exterior? Impossível de responder. E depois, por que me
constrangeria a estabelecer uma hierarquia na solidão? Já não é o
bastante estar só?
***
Afirmo
aqui, na intenção de todos aqueles que me sucederão, que eu não
tenho nada em que posso crer na terra e que a salvação reside no
esquecimento. Eu adoraria poder esquecer tudo, esquecer-me de mim
mesmo e do mundo inteiro. As verdadeiras confissões escrevem-se com
lágrimas. Mas as minhas bastariam para afogar este mundo, assim como
meu fogo interior seria o suficiente para incendiá-lo. Eu não
preciso de nenhum apoio, de nenhum encorajamento, nem de qualquer
compaixão, pois, por mais caído que eu seja, sinto-me poderoso,
duro, feroz! Eu sou, com efeito, o único homem a viver sem
esperança. Eis o ápice do heroísmo, seu paroxismo e seu paradoxo.
A loucura suprema! Eu deveria canalizar a paixão caótica e informe
que me habita, a fim de tudo esquecer, de não ser mais nada, de me
liberar do saber e da consciência. Se eu devo ter uma esperança,
esta seria a do esquecimento absoluto. Mas não se trata antes de um
desespero? Esta “esperança” não constitui a sua própria
negação? Eu não quero mais saber de nada, nem mesmo do fato de
nada saber. Por que tantos problemas, discussões e arrebatamentos?
Por que uma tal consciência da morte? Alto à filosofia e ao
pensamento!
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
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