segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Os sotaques do silêncio

Certa vez, numa sombra em Niassa, eu trocava uns nadas com um velho camponês. Um homem sabedor das suas coisas, em seu mundo. Foi ele que me disse nesse português que ele mesmo chamava de “português corta-mato”, foi ele que me disse algo que aproveitei, mais tarde, em livro. Perguntou-me: “Sabe qual a diferença entre um sábio branco e um sábio preto? Ora, o sábio branco é o primeiro a responder, o sábio preto é o que mais demora a dar resposta. Às vezes quando ele responde já ninguém mais se lembra qual era a pergunta”.
Lembro-me ainda de que eu e esse velho ficamos em silêncio durante um tempo. Naqueles lugares o silêncio não suscita qualquer embaraço nem é um sinal de solidão. O silêncio é, tanto quanto a palavra, um momento vital de partilha de entendimentos. Estávamos numa dessas pausas quando ele me perguntou:
O senhor não sabe falar nada de xi-djaua?
Nem uma palavra, Saide.
Está a ver a diferença entre nós?
Estou, sim. Nós falamos diferente. — Não, o senhor não está a ver. A diferença entre nós não está no que falamos. A diferença está em que eu sei ficar calado em português e o senhor não sabe ficar calado em nenhuma língua.
Mia Couto, in E se Obama fosse africano?

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