O
sol matinal entrava pela janela basculante, condensando o vapor nos
azulejos e dissipando pouco a pouco o cheiro de xampu. Com as calças
arriadas até as canelas, prestes a começar meu xixi, eu mirava no
penico da Turma da Mônica. Ao lado, enrolada numa toalha diante da
pia, minha mãe escovava os dentes.
Eu
gostava muito de observar minha mãe escovando os dentes pela manhã:
sua mão ia e vinha, rápida e precisa, de cima para baixo, depois
fazia movimentos circulares, sem espirrar uma única gota de espuma.
Tão diferente de mim, que só sabia escovar na horizontal e
salpicava de branco a louça da pia, as torneiras, lambuzava o rosto
inteiro. Minha mãe era tão hábil que conseguia até escovar os
dentes e andar pela casa ao mesmo tempo — uma de suas façanhas que
eu mais admirava. Com a mão livre, era capaz de exercer outras
atividades, como tirar as roupas sujas do cesto, pentear o cabelo ou
guardar uma toalha no armário. Depois, voltava para a pia e cuspia
com elegância; a espuma saía da sua boca unida e silenciosa, como
uma bolinha de pingue-pongue. Eu imaginava que a bola branca caía
bem no meio do ralo, sem nem esbarrar nas bordas, mas sendo esse um
dos muitos eventos que aconteciam a mais de um metro de altura, tinha
de resignar-me à especulação.
Assistir
àquele pequeno ritual de controle e delicadeza, no início de cada
dia, ajudava a me acalmar. O mundo era vasto e assombroso, mas uma
mulher capaz de escovar os dentes, andar pela casa e ainda exercer
outras atividades certamente tinha condições de me proteger de
todos os perigos, de modo que agradá-la e receber em troca seu
sorriso era o que mais me importava: bastava ver seus lábios se
movendo, seus olhos se comprimindo, e a paz era instaurada.
Estava
tranquilo, portanto, ouvindo o som da escovação, sentindo o cheiro
de xampu no ar, prestes a começar meu xixi, quando surgiu a ideia.
Chamar de “ideia” é exagero, era menos que isso, apenas um
beliscão da curiosidade na pança da harmonia: e se eu fizesse o
xixi fora do penico? Como seria o som no chão de azulejos? Seria
diferente do som grave do jato no plástico, que me lembrava um
motorzinho, brrrrrrrrrr? Diferente ainda do barulho que faria se
mirasse em cima do tapete colorido? E se ficasse alternando entre o
penico, o azulejo e o tapete: poderia compor uma música, como
naqueles dias em que a gente batucava com colheres em latas e
garrafas na escola?
À
medida que ia percebendo as possibilidades lúdicas do xixi fora do
penico, ficava mais animado: imaginava o líquido espraiando-se pelo
chão, alterando sutilmente o reflexo da luz na superfície dos
azulejos; pensava que o tapete encharcado iria mudar de cor e que se
quisesse poderia pintar só metade dele, ou fazer riscos em
zigue-zague, como meu pai havia me mostrado na areia da praia, nas
últimas férias. Quem sabe eu até saísse andando pela casa fazendo
xixi em tudo? Xixi no chão de tacos, xixi no revisteiro, xixi pelas
paredes, xixi escada abaixo — e, embora soubesse que meus xixis
eram pouco volumosos (suficientes apenas para criar uma lâmina
amarelada sobre o desenho da Turma da Mônica), a imagem que me vinha
à cabeça era de uma potência infinita, um jorro ininterrupto capaz
de encharcar o banheiro, afogar a casa, inundar o mundo.
Examinei
o chão, o tapete, a parede, espiei minha mãe, que seguia escovando
os dentes, e só então percebi, por baixo da empolgação, uma
cosquinha de agonia. Algo me dizia que sair fazendo xixi sem rumo
poderia deixá-la brava e aflita — e deixar minha mãe brava ou
aflita era o que eu mais temia. Antes de pôr em prática os projetos
que me pareciam heterodoxos, costumava me perguntar: será que a
farei sofrer? Será que ela brigará comigo? Ou, do contrário, me
sorrirá, satisfeita? Queria desistir, mas algo na ansiedade parecia
atrair-me: sugeria haver mais coisas a se buscar nesse lugar vasto e
assombroso além da calma e da harmonia do sorriso da mamãe.
O
xixi já estava quase saindo, podia até sentir o alívio chegando,
quando a campainha tocou. No susto, suspendi a missão. (Eu me
orgulhava bastante deste autocontrole: mesmo se já estivesse no meio
do xixi, poderia interrompê-lo, momentaneamente. Não chegava aos
pés da capacidade de escovar os dentes e andar pela casa ao mesmo
tempo, mas me divertia e várias vezes passava um tempo brincando com
um jato intermitente no penico: segura, solta, segura, solta, brrrrr,
silêncio, brrrrr, silêncio, e assim me sentia no domínio do meu
corpo e senhor da minha vida.) Ainda escovando os dentes, minha mãe
foi para o andar de baixo atender a porta, deixando-me só naquela
imensidão de azulejos, com o pinto na mão e um dilema na cabeça:
sorriso apaziguador ou frio na barriga?
Provavelmente,
essa batalha já vinha sendo travada havia tempos, o anjinho e o
diabinho me soprando desde a vida pré-uterina suas seduções e
reproches, quem sabe influenciando a intensidade dos chutes no
líquido amniótico ou os decibéis do choro que antecedia as
mamadas, mas eram apenas as preliminares no campeonato da infância,
cuja final, senhoras e senhores, se daria em instantes, e, dependendo
do resultado, me classificaria em posições opostas para a grande
competição da vida adulta.
Caso
ouvisse os impulsos aventureiros e ignorasse os limites do
peniquinho, talvez me atrevesse a saltar a rampa grande de skate aos
nove, seria atacante e não goleiro no primário; perderia a
virgindade antes do primeiro colegial, quem sabe fosse de carona até
a Patagônia aos vinte? Se, no entanto, dedicasse meus parcos
mililitros à Turma da Mônica e ao sorriso da mamãe, deixaria a
rampa grande para os maiores e me contentaria em ir e vir com meu
skate pela garagem, toparia ser goleiro nos campeonatos já que
ninguém o faria e o professor solicitaria um voluntário; perderia a
virgindade só nos estertores da adolescência e, dali em diante,
preferiria os ácaros da poltrona à poeira da estrada.
É
evidente que naquela manhã, com as calças na canela e o coração
na garganta, eu não sabia de nada disso. Só intuía pelo forte frio
na barriga que algo importante estava para acontecer. Ou não: pois
assim que ouvi os passos no corredor, acompanhados pelo ronronar
quase inaudível da escova indo e vindo nos dentes da minha mãe,
sucumbi à promessa do sorriso e comecei a despejar no peniquinho os
parcos mililitros do meu xixi, tomando cuidado para que nem uma única
gota pingasse fora.
Ela
terminou de escovar os dentes, cuspiu elegantemente no meio da pia,
olhou para o penico, onde a Turma da Mônica nos observava sob a fina
lâmina amarela, fez um carinho mentolado em minha cabeça e abriu o
sorriso. Não havia nada que me ameaçasse; afinal, eu era um bom
menino, eu obedecia às regras e recebia a recompensa — a ordem e a
harmonia voltaram a reinar sobre a terra e o espírito de Deus a
pairar sobre a face das águas.
Antonio
Prata, in Nu, de botas
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