domingo, 9 de setembro de 2018

Urubu-rei come sozinho!

Foto: Renato Augusto Martins 

Em setembro de 1962, um chauffeur no Recife criticava um grande serviço federal, dizendo-o rico de fama e recursos e pobre de atos e obras. Rematou a catilinária, deixando-me no hotel, com uma imagem da nossa avifauna: “Aquilo é urubu-rei, só come sozinho!...”.
Os Drs. Artur Neiva e Belisário Pena (Viagem científica, Rio de Janeiro, 1916) registram no sertão de Goiás, em 1912, uma observação esclarecedora do dito popular pernambucano.
Em Goiás, além das espécies referidas, encontra-se com relativa frequência o Gypagus papa, L, e a respeito desta ave verificamos uma observação popular verdadeira; queremos referir-nos ao fato de os outros urubus fazerem carniça depois de o urubu-rei estar saciado. Certa vez encontramos uma rês morta e em volta enorme bando de urubus, pousados sobre as árvores próximas; como o lugar era desabitado, causou-nos estranheza o fato de o cadáver não ser atacado, apesar de observarmos que alguns urubus passeavam sobre o corpo do animal sem procurarem alimentar-se; um camarada advertiu-nos que isto se passava por estar próximo algum urubu-rei, e, na verdade, logo depois verificamos a presença de cinco destas aves pousadas na árvore mais elevada das cercanias e que impediam o ataque da rês por parte dos outros urubus”.
O Gypagus papa come, aristocraticamente, isolado dos comparsas subalternos. Depois de farto e ausente é que a urubuzada humilde toma chegada para o ágape.
Não sei se justa a aplicação, mas certa fora a imagem sugerida. Jamais o chefe do serviço imaginaria haver provocado a comparação...
Luís da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz

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