quinta-feira, 19 de julho de 2018

Um oceano de energia

Em seu cerne, a Revolução Industrial foi uma revolução na conversão de energia. Foi demonstrado inúmeras vezes que não há limite para a quantidade de energia à nossa disposição. Ou, mais precisamente, que o único limite é determinado por nossa ignorância. A cada poucas décadas descobrimos uma nova fonte de energia, de modo que a soma total de energia à nossa disposição só continua crescendo.
Por que tantas pessoas têm medo de que nossa energia esteja acabando? Por que elas alertam sobre um desastre se exaurirmos todos os combustíveis fósseis disponíveis? Claro está que não falta energia no mundo. A única coisa que nos falta é o conhecimento necessário para usá-la e convertê-la para nossas necessidades. A quantidade de energia armazenada em todo o combustível fóssil na Terra é insignificante se comparada com a quantidade que o Sol fornece a cada dia, livre de encargos. Somente uma minúscula proporção da energia solar chega à Terra, e no entanto equivale a 3.766.800 exajoules de energia por ano (um joule é uma unidade de energia no sistema métrico, mais ou menos a quantidade que gastamos para erguer uma maçã pequena a um metro; um exajoule é 1 quintilhão de joules – isso é um montão de maçãs). 2 Todas as plantas do mundo capturam apenas por volta de 3 mil desses exajoules solares através da fotossíntese. Todas as atividades e indústrias humanas reunidas consomem cerca de 500 exajoules anualmente, o equivalente à quantidade de energia que a Terra recebe do Sol em apenas 90 minutos. E isso é só a energia solar. Além dela, somos cercados por outras fontes imensas de energia, como a energia nuclear e a energia gravitacional, esta última mais evidente na potência das ondas oceânicas causadas pela influência da Lua sobre a Terra.
Antes da Revolução Industrial, o mercado de energia humano dependia quase exclusivamente das plantas. As pessoas viviam diante de um reservatório de energia verde carregando 3 mil exajoules por ano e tentavam extrair o máximo possível dessa energia. Mas havia um claro limite à quantidade que podia ser extraída. Durante a Revolução Industrial, passamos a perceber que na verdade estamos vivendo ao lado de um oceano enorme de energia, que contém bilhões e mais bilhões de exajoules de energia em potencial. Tudo que precisamos fazer é inventar geradores melhores. Aprender a utilizar e converter energia de maneira eficaz resolveu o outro problema que desacelera o crescimento econômico: a escassez de matérias-primas. Quando os humanos entenderam como utilizar grandes quantidades de energia barata, puderam começar a explorar depósitos de matéria-prima até então inacessíveis (por exemplo, minerando ferro nos desertos siberianos), ou transportar matérias-primas de lugares cada vez mais distantes (por exemplo, abastecendo as fábricas têxteis da Grã-Bretanha com lã australiana). Ao mesmo tempo, os avanços científicos permitiram que a humanidade inventasse matérias-primas completamente novas, como plástico, e descobrisse materiais naturais até então desconhecidos, como silicone e alumínio.
Os químicos só descobriram o alumínio nos anos 1820, mas separar o metal de seu minério era extremamente difícil e custoso. Durante décadas, o alumínio era muito mais caro do que o ouro. Nos anos 1860, o imperador Napoleão III da França encomendou talheres de alumínio para seus convidados mais ilustres. Os visitantes menos importantes tinham de se virar com facas e garfos de ouro. Mas, no fim do século XIX, os químicos descobriram uma maneira de extrair enormes quantidades de alumínio barato, e hoje a produção global fica em torno de 30 milhões de toneladas por ano. Napoleão III ficaria surpreso de saber que os descendentes de seus súditos usam papel-alumínio descartável para embrulhar seus sanduíches e jogam as sobras no lixo.
Há 2 mil anos, quando as pessoas na bacia do Mediterrâneo sofriam de pele seca, passavam azeite nas mãos. Hoje, abrem um tubo de creme. A seguir há uma lista de ingredientes de um creme para mãos simples que comprei por 3 dólares em uma loja qualquer:

Água deionizada, ácido esteárico, glicerina, triglicérides do ácido cáprico/caprílico, propilenoglicol, miristato de isopropila, extrato de raiz de Panax ginseng, fragrância, álcool cetílico, trietanolamina, dimeticona, extrato de folha de Arctostaphylos uva-ursi, fosfato de ascorbil magnésio, imidazolidinil ureia, metilparabeno, cânfora, propilparabeno, hidroxiisohexil 3-ciclohexeno carboxialdeído, hidroxicitronelal, linalol, butilfenil metilpropional, citronelol, limoneno, geraniol.

Quase todos esses ingredientes foram inventados ou descobertos nos últimos dois séculos.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi submetida a um bloqueio e sofreu escassez severa de matérias-primas, em particular o salitre, um ingrediente essencial para a fabricação de pólvora e outros explosivos. Os depósitos mais importantes de salitre ficavam no Chile e na Índia; não havia nenhum na Alemanha. É verdade, o salitre podia ser substituído pela amônia, mas esta também era cara de se produzir. Felizmente para os alemães, um de seus concidadãos, um químico judeu chamado Fritz Haber, havia descoberto em 1908 um processo para produzir amônia literalmente do ar. Quando a guerra eclodiu, os alemães usaram a descoberta de Haber para começar a produção industrial de explosivos usando o ar como matéria-prima. Alguns acadêmicos acreditam que, se não fosse pela descoberta de Haber, a Alemanha teria sido forçada a se render muito antes de novembro de 1918. A descoberta rendeu a Haber (que, durante a guerra, também foi pioneiro no uso de gás venenoso em batalha) um prêmio Nobel em 1918. De química, e não da paz.
Yuval Noah Harari, in Sapiens: uma breve historia da humanidade

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