terça-feira, 10 de julho de 2018

Adolescência

Catherine Deneuve

O apelido dele era “cascão” e vinha da infância. Uma irmã mais velha descobrira uma mancha escura que subia pela sua perna e que a mãe, apreensiva, a princípio atribuiu a seguida descobriu que era sujeira mesmo.
- Você não toma banho, menino?
- Tomo, mãe.
- E não se esfrega?
Aquilo já era pedir demais. E a verdade é que muitas vezes seus banhos eram representações. Ele fechava a porta do banheiro, ligava o chuveiro, forte, para que a mãe ouvisse o barulho, mas não entrava no chuveiro. Achava que dois banhos por semana era o máximo de que uma pessoa sensata precisava.
Mais do que isso era mania.
O apelido pegou e, mesmo na sua adolescência, eram frequentes as alusões familiares à sua falta de banho. Ele as aguentava estoicamente. Caluniadores não mereciam resposta. Mas um dia reagiu.
- Sujo, não.
- Ah, é? - disse a irmã. - E isto o que é?
Com o dedo ela levantara do seu braço um filete de sujeira.
- Rosquinha não vale.
- Como não vale?
- Rosquinha, qualquer um.
Entusiasmado com a própria tese, continuou:
- Desafio qualquer um nesta casa a fazer o teste da rosquinha! A irmã, que tomava dois banhos por dia, o que ele classificava de exibicionismo, aceitou o desafio.
Ele advertiu que passar o dedo, só, não bastava. Tinha que passar com decisão. E, realmente, o dedo levantou, da dobra do braço da irmã, uma rosquinha, embora ínfima, de sujeira.
- Viu só - disse ele, triunfante. - E digo mais: ninguém no mundo está livre de uma rosquinha.
- Ah, essa não. No mundo? Manteve a tese.
- Ninguém.
- A rainha Juliana?
- Rosquinha. No pé. Batata.
No dia seguinte, no entanto, a irmã estava preparada para derrubar a sua defesa.
- Cascão... - disse simplesmente. - A Catherine Deneuve.
Ele hesitou. Pensou muito. Depois concedeu. A Catherine Deneuve, realmente, não.
A irmã, sadicamente, ainda fingiu que queria ajudar.
- Quem sabe atrás da orelha?
- Não, não - disse o Cascão tristemente, renunciando à sua tese. - A Catherine Deneuve, nem atrás da orelha.
Luís Fernando Veríssimo, in Comédias para se ler na escola

Nenhum comentário:

Postar um comentário