domingo, 24 de junho de 2018

Sensura

A nossa sociedade autoriza tudo o que não a incomoda. Se isto já não é plenamente verdade nos nossos dias, e se estamos em crise, é porque o interesse imediato dos que estão no poder se encontra em contradição com os valores que fundamentam este mesmo poder. É-lhes necessário, por exemplo, incentivar o consumo que os enriquece, em detrimento da moral que os legitima. Pela primeira vez, o poder fundamenta-se na confusão e não na ordem. Daí a mentira generalizada, de que a língua sofre.
A permissividade atual autoriza que se diga tudo porque este tudo já não significa nada. A palavra torna-se inofensiva por privação de sentido. A escrita sofre a mesma privação nas suas formas normalizadas: publicidade, jornalismo, best-sellers, que passam por escrita quando não o são.
O objetivo da antiga censura consistia em tornar o adversário inofensivo, privando-o dos seus meios de expressão; a nova - que denominei sensura - esvazia a expressão para a tornar inofensiva, método mais radical e menos visível.
Bernard Noel, in O castelo da ceia

Nenhum comentário:

Postar um comentário