O povo acredita
firmemente que os sáurios e certas aves, como as emas, não chocando
os ovos com o calor do corpo, colocando-os a distância e ficando a
olhá-los insistentemente, conseguem a operação com a força do
olhar. Quem executa esse aquecimento indispensável é o calor solar.
Os ovos ficam expostos à luminosidade ardente e o animal permanece
vigilante, guardando a futura ninhada com o ciúme natural,
responsável pela sobrevivência da espécie.
Quem viveu em terra
onde os jacarés aparecem sabe muito bem desse costume do repelente
anfíbio. Onde estiverem os ovos o bicho estará nas vizinhanças,
impassível na contemplação do seu tesouro, pronto a defendê-lo
pelo ataque imediato. Quando a fêmea se retira, o jacaré a
substitui na missão de sentinela orgulhosa.
Como não retiram
os olhos da pilha de ovos, o povo explica que o jacaré choca os ovos
com os olhos.
A ema também
realiza essa proeza embora aqueça a ninhada com seu peso. Vez por
outra, fica por perto, sentada nas imensas patas, olhando os imensos
ovos que o Sol esquenta como num forno.
Vale salientar aqui
a importância vital que o povo empresta à potência visual. O olhar
pode determinar o bem e o mal, proteger e destruir, como uma grandeza
material, de ação imediata e direta. Bons e maus olhos dividem a
Humanidade e os romanos foram obrigados a criar a deusa Invídia, com
a cabeleira de serpentes, inimiga de toda a ventura alheia,
insaciável de rancor para as alegrias dos outros, tendo a vitória
do próximo como uma agressão à sua soberania monstruosa e
bastarda.
In Invidia est
virtus, dizia Cícero, inveja adversária perpétua da virtude,
virtude dos outros, porque ela só possui o rancor de não possuí-la.
Cerca de noventa
por cento dos amuletos são destinados contra o mau-olhado. Não há
povo, nível de cultura, tempo na História, em que o homem não haja
temido a inveja, e como a deusa sinistra aja preferencialmente pelo
olhar, o pavor humano é a ameaça desses olhares magnéticos,
implacáveis na ruína da felicidade terrestre. Tanto assim que, no
arsenal dos amuletos, a quase totalidade mobiliza-se com o
mau-olhado, contra a força do olhar rancoroso, humilhado, diabólico
na constatação do bem alheio.
Mas agora a
convicção popular faz o elogio do olhar mágico na propagação da
vida, da guarda familiar, na custódia aos filhos no amanhã.
Nem mesmo ao Sol
permitem a função fecundadora no desenvolvimento da existência
guardada nos ovos. O olhar é o responsável. É com ele que o animal
anima a vida latente da espécie. Choca com os olhos…
Luís da Câmara
Cascudo, in Coisas que o povo diz
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