quarta-feira, 13 de junho de 2018

A mulher é um figo


Figo. Assim que eu vejo o amor. Como um figo. Assim que vejo a mulher. Como um figo. O figo não tem o caroço apartado do sumo como a maioria das frutas.
Pode-se engolir a semente sem perceber. A semente é também polpa. Não existe o medo de mordê-lo e trincar os dentes. O figo é servido para a língua, para o beijo. Figo é para ser lambido em vez de mastigado. Com a pressão do céu da boca, ele se desmancha.
Figo não desperdiça o sumo. É úmido como um pão quente. Ele hidrata sem escorrer. Goteja pássaros. Não apodrece; amadurece.
Não me lembro de figo que fique sozinho no chão. O sol o transforma imediatamente em terra. Ele somente deita aos lábios, ninguém mais. No solo, cai de pé, pronto a germinar.
O figo tem os galhos e as raízes em si. É o coração da romã. Vidraça para o vento desenhar. Como a mulher, não há alas separando os quartos, paredes separando as sombras, gomos separando o gosto. O figo é inteiro, quase um fogo.
A alma é corpo, o corpo é alma; ambos se defendem e se revezam. Suas cores são casadas. Por fora, um verde com azul, tal rio manso. Dentro, o vermelho se abre generoso ao amarelo. A casca é um vestido fino, um tecido suave, que deveria ser roçado com o rosto. Não poderia ser chamada de casca, mas de pele. A casca já é parte interna da fruta. O começo tem a lentidão doce do fim. A pele é saborosa como o seu sumo. Não se usa faca para desenrolar a casca, mas sim a unha. Um pouco de cuidado, e ela se despe.
Figo não é destinado aos afoitos. É fio de riacho a se recolher da pedra com a concha das mãos. É passar da esperança, reparando na beleza. Figo não é o pecado, é o pecador. Fruta para ser apanhada direto da árvore, posta junto da camisa. Não mancha, lava o dia.
Nunca é tarde para o figo. Nele, os turnos estão acumulados. Perfume da manhã quando a manhã ainda é noite. Não atende a passatempos e urgências. Exige dedicação.
Quem se aproxima do figo não volta cedo. O figo oferece a intimidade da espera entre as cortinas. O figo são os pelos loiros dos telhados. Como o amor, é macio. Como a mulher, é sensível. Completa o ouvido do ramo com a independência de um brinco. Não se dispersa a exemplo do colar.
O figo é o chapéu, não a esmola. Tem pescoço de um violino. O caule o mantém aceso entre os dois mundos.
O figo não mente o seu desejo; mente a sua idade. Em nenhum momento se arrepende de ter sido.
Fabrício Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus

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