Fotograma do Filme Pedro Páramo
— Soube
que derrotaram você, Damasio. Por que deixou fazerem isso?
— O
senhor foi mal-informado, patrão. Comigo não aconteceu nada. Meu
pessoal está inteirinho. Trago aí setecentos homens e outros tantos
arrimados. O que aconteceu é que uns poucos dos “velhos”,
cansados de estar ociosos, se puseram a disparar contra um pelotão
de beócios, que na verdade era um exército inteiro. Villistas, de
Pancho Villa, o senhor ouviu falar?
— E
esses de onde saíram?
— Eles
vêm do Norte, arrasando tudo que encontram pela frente. Parece, pelo
que se vê, que andam percorrendo a terra, tateando todos os
terrenos. São poderosos. Isso ninguém há de negar.
— E
por que você não se junta a eles? Eu já disse a você que temos de
estar com quem estiver ganhando.
— Pois
eu já estou com eles.
Então
veio me ver para quê?
— Precisamos
de dinheiro, patrão. Já estamos cansados de comer carne de vaca.
Nem temos mais vontade. E ninguém mais quer fiar para a gente. Por
isso viemos, para que o senhor nos abasteça e para que a gente não
se veja na urgência de roubar ninguém. Se estivéssemos no longe
remoto não nos importaria dar um “passe para cá” nos vizinhos;
mas aqui somos todos aparentados com alguém e roubar nos dá
remorso. Enfim, é dinheiro o que necessitamos para comprar nem que
seja uma tortilhona grossa com pimenta. Estamos fartos de comer
carne.
— Quer
dizer que agora o senhor vai me bancar o exigente, Damasio?
— De
jeito nenhum, patrão. Estou pedindo pelos rapazes; por mim, nem
pensar.
— Está
certo que você se empenhe pelo seu pessoal; mas trata de tirar de
outro o que você precisa. Eu já dei. Conforme-se com o que eu dei.
E este não é um conselho, nem nada parecido, mas você já pensou
em assaltar Contla? Para que você acha que está na revolução? Se
é para pedir esmola para esses sujeitos, você é estúpido. Mais
valia que fosse com sua mulher criar galinhas. Avança em cima de
algum povoado! Se você anda arriscando o pescoço, por que diabos os
outros não vão pôr sua parte? Contla está que ferve de tanto
rico. Tire um pouquinho do que eles têm. Ou será que acham que você
é a babá deles, e que está aí só para cuidar dos seus
interesses? Não, Damasio. Faça com que vejam que você não está
de brincadeira nem está se divertindo. Dá um pega neles e você vai
só ver como consegue uns tostões desta algazarra.
— Seja
como quiser, patrão. Do senhor eu sempre tiro alguma coisa de bom.
— Pois
esteja à vontade.
Pedro
Páramo viu como os homens iam embora. Sentiu desfilar na sua frente
o trote de cavalos escuros, confundidos com a noite. O suor e o pó;
o tremor da terra. Quando viu os pirilampos cruzando outra vez suas
luzes, percebeu que todos os homens tinham ido. Só restava ele,
sozinho, como um tronco duro começando a se despedaçar por dentro.
Pensou
em Susana San Juan. Pensou na mocinha com quem fazia pouco acabara de
dormir. Aquele pequeno corpo sobressaltado e tremelicante que parecia
que ia pôr o coração pela boca. “Punhadinho de carne”, disse a
ela. E tinha se abraçado a ela tratando de transformá-la na carne
de Susana San Juan. “Uma mulher que não era deste mundo.”
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
Nenhum comentário:
Postar um comentário